Os vôos da imaginação
Ciência e Tecnologia

Os vôos da imaginação


Coluna Física Sem Mistério
Publicada no Ciência-Hoje On-line
20/10/2006

A capacidade de imaginar é uma das características mais marcantes da inteligência humana. Utilizando essa capacidade, o homem consegue entender o mundo ao seu redor e, a partir dessa compreensão, consegue, por exemplo, superar limitações físicas e vencer as distâncias. Um dos sonhos mais antigos do homem é alcançar os céus. Em praticamente todas as culturas, em todas as épocas, o céu era considerado um lugar especial, reservado apenas a heróis e deuses. Muitos povos imaginavam que as posições das estrelas representavam seus mitos e lendas e imortalizavam seus deuses, heróis, crenças, esperanças e, em alguns casos, temores. Tais configurações são conhecidas como constelações.

Foi por meio da imaginação que muitos tentaram atingir os céus. Em particular, o mito do vôo de Ícaro nos mostra que esse desejo vem de épocas remotas. Segundo a mitologia, Dédalo, o pai de Ícaro, construiu asas com penas de pássaros coladas com cera, para que ambos pudessem fugir do labirinto do Minotauro, onde foram presos pelo rei Minos. Antes de levantar vôo, o pai recomendou a Ícaro que não deveriam voar nem muito alto (perto do Sol, cujo calor derreteria a cera), nem muito baixo (perto do mar, pois a umidade tornaria as asas pesadas). Entretanto, a sensação de voar foi tão estonteante para Ícaro que ele esqueceu a recomendação e elevou-se tanto nos ares a ponto da previsão de Dédalo ocorrer. A cera derreteu e Ícaro perdeu as asas, precipitando-se no mar e morrendo afogado.

Sabemos que um vôo como o de Ícaro e Dédalo é impossível e que voar mais alto não o levaria tão perto do Sol a ponto de derreter a cera que colava as penas. Nenhum ser humano tem força física suficiente para levantar o seu peso batendo as asas como um pássaro. Felizmente, ao invés de força física, a imaginação e a inteligência podem ser os maiores aliados para superarmos nossas limitações.

Dos balões aos aviões

As primeiras tentativas bem sucedidas de voar aconteceram com o uso de balões. Quando os balões são inflados com ar quente ou com gás hélio, eles levantam do solo, porque o aumento do volume faz com que a densidade do balão (a densidade é a massa do balão dividida pelo seu volume total) fique menor do que a do ar. Quando isso ocorre, a força de empuxo faz com que o balão suba para o céu, pois objetos cuja densidade seja menor do que a densidade da atmosfera tendem a flutuar. Por esse motivo, costuma-se dizer que os balões flutuam por serem ‘mais leves do que o ar’, ou seja, com menor densidade. Esse efeito é o mesmo que impede que navios com centenas de toneladas afundem, pois, como têm um compartimento cheio de ar, a densidade deles torna-se menor do que a da água.

Entretanto, os balões (ou dirigíveis, que são balões com motores para deslocamento) eram muitos lentos e pouco manobráveis. Era possível alcançar o céu, mas não podíamos voar como os pássaros. Esse desafio começou a ser vencido com o vôo histórico do 14 Bis do brasileiro Alberto Santos Dumont (1873-1932), em Paris, que ocorreu em 23 de outubro de 1906, exatamente há 100 anos. Santos Dumont mostrou que era possível voar utilizando um veículo mais pesado do que o ar. Inventou, assim, o avião.

A explicação para o vôo dos aviões está baseada no conhecido princípio de Bernoulli, segundo o qual a maior velocidade do fluxo de ar na parte superior das asas provoca uma pressão menor e, como conseqüência, a diferença de pressão sobre o aerofólio, devido às diferentes velocidades do fluxo do ar em cima e embaixo dele, gera a força de sustentação. Essa explicação foi desenvolvida por diversos pesquisadores no começo do século 20.

Desde o vôo do 14 Bis, os aviões evoluíram muito e hoje é fácil se deslocar de um continente para outro em algumas horas. Esse era o sonho de Santos Dumont: o avião como um meio de transporte que facilitasse a vida das pessoas. Infelizmente, o avião também se tornou uma das mais mortais armas de guerra já criadas, aplicação com a qual Santos Dumont jamais concordou. Contudo, o legado deixado pelo ‘pai da aviação’ será sempre lembrado como um grande incentivo para nos aventurarmos em vôos mais altos.


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A coluna Física sem Mistério é publicada na terceira sexta-feira do mês pelo físico Adilson J. A. de Oliveira, professor da UFSCar



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