Anarquistas da ciência
Ciência e Tecnologia

Anarquistas da ciência


Coluna Física sem mistério
Publicada em 19 de fevereiro de 2010
Ciência Hoje On-line

A física é uma ciência que vem sendo construída ao longo de centenas de anos por diversos cientistas e pesquisadores. Alguns se destacam mais nessa empreitada, mas a grande maioria é formada apenas por pequenos coadjuvantes.
Por exemplo, milhares de artigos científicos na área da física são publicados por mês em todo o mundo, sendo que quase todos relatam apenas resultados e teorias incrementais, ou seja, que se tornam pequenos avanços – embora essenciais – para a compreensão do mundo físico. As grandes descobertas são raras e as que revolucionam profundamente a física são ainda mais difíceis de acontecer.
Esse fato mostra que a física é um campo de conhecimento sólido, que não é facilmente alterado, pois somente aquilo que é realmente verificado e testado de maneira independente e exaustiva se consolida.
Em certos momentos, alguns cientistas resolvem desafiar o status quo e propor ideias revolucionárias. Como se fossem ‘anarquistas científicos’, tentam quebrar os modelos e a ordem estabelecida dentro do campo científico.

Contraditoriamente, um dos maiores anarquistas da ciência durante a juventude transformou-se em um forte conservador quando ficou mais velho. Seu nome: Albert Einstein (1879-1955).
Em 1905, cinco anos após ter se graduado em física pela Escola Politécnica de Zurique (Suíça), Einstein ainda não tinha conseguido um cargo de pesquisador ou professor em alguma universidade europeia. Seu grande amigo dos tempos de universidade, Michele Besso (1873-1955), conseguiu uma indicação para ele trabalhar como analista de patentes no Bureau de Patentes em Berna (Suíça). Como o próprio Einstein dizia, lá havia tempo suficiente para realizar o seu trabalho e também ter ideias revolucionárias e anárquicas sobre a natureza da luz, da matéria, do tempo e do espaço.

Anarquia ‘einsteiniana’

A anarquia ‘einsteiniana’ foi iniciada em abril de 1905, com sua tese de doutoramento sobre as dimensões moleculares, e em maio, com sua análise do movimento browniano (movimento aleatório de partículas macroscópicas em um fluido como consequência dos choques das moléculas do fluido nessas partículas). Esses trabalhos possibilitaram a confirmação experimental definitiva da existência de átomos e moléculas, fato ainda não totalmente aceito na época.
Mas a rebeldia científica de Einstein não parou por aí. Para explicar um novo fenômeno descoberto alguns anos antes, o efeito fotoelétrico, Einstein propôs que a luz é feita de partículas discretas de energia, que no início foram chamadas de quantum de luz e, posteriormente, fótons. Essa proposta radical ia de encontro com o pensamento da época, segundo o qual a luz se manifestava apenas como uma onda.

Entretanto, as propostas revolucionárias mais famosas de Einstein foram a teoria da relatividade especial, também apresentada em 1905, e a teoria da relatividade geral, publicada em sua forma final em 1916 (com a reformulação total dos conceitos de espaço e tempo absolutos, simultaneidade de eventos e gravidade, entre outros). Em um desses trabalhos de 1905 é que aparece a fórmula mais famosa da física: E=mc2, que mostra a equivalência entre energia e massa e na qual c representa a velocidade da luz. Alguns detalhes sobre essas teorias de Einstein podem ser vistos nas colunas de março de 2007 e novembro de 2007.
Sem dúvida Einstein foi um dos cientistas mais revolucionários de todos os tempos. A sua obsessão pela busca de uma verdade fundamental, bela e harmônica na natureza guiou-o por caminhos que o levaram a postular vários capítulos importantes da física.
Contudo, Einstein foi um feroz opositor de uma teoria que ele mesmo começou a criar, com a introdução do conceito de fóton, para explicar os intrigantes fenômenos atômicos. Einstein defendia a tese de que a mecânica quântica é uma teoria incompleta, pois interpreta o mundo atômico com base em probabilidades e não em certezas absolutas.

A revolução da mecânica quântica

A mecânica quântica nasceu a partir de outras descobertas sobre a estrutura atômica e deixou cada vez mais claro que a física clássica não valia nesses domínios. Uma nova revolução anárquica começou a surgir na física.
Dessa vez, os principais revolucionários, entre tantos outros, foram Niels Bohr (1885-1962), Werner Heisenberg (1901-1976), Erwin Schrödinger (1887-1961) e Max Born (1882-1970). Em particular, a nova física construída por eles estava baseada não em trajetórias de partículas, como faz a mecânica newtoniana, mas em funções de onda associadas com a probabilidade de encontrarmos partículas em determinados estados. Essa descrição da física jamais foi aceita por Einstein e ficou muito conhecida com a sua famosa frase: “Deus não joga dados.”
O grande embate entre esses novos anarquistas e o agora conservador Einstein ocorreu ao longo de diversas conferências, mas culminou com um artigo publicado em 1935 por Einstein, Boris Podolsky (1896-1966) e Nathan Rosen (1909-1995), no qual os autores acreditavam ter encontrado uma falha profunda na mecânica quântica. Esse artigo ficou conhecido como o paradoxo de EPR (iniciais dos autores).
Nesse trabalho, eles descreveram um experimento imaginário no qual medições de uma partícula revelariam informações sobre uma outra partícula sem que fosse preciso medir diretamente a segunda. Essa conclusão violaria um princípio básico da mecânica quântica, o princípio da incerteza, que afirma não ser possível medir ao mesmo tempo com absoluta precisão a posição e a quantidade de movimento de uma partícula.
Einstein era contra a chamada ‘interpretação de Copenhague’ da mecânica quântica, defendida Bohr. Para Bohr, as propriedades dinâmicas de uma partícula quântica não têm valor definido até que uma medição seja feita, justamente por causa do princípio da incerteza.

No artigo de Einstein e seus colaboradores, argumentava-se que esse princípio leva a uma inconsistência. Eles imaginaram a criação de duas partículas que se afastam uma da outra, mas mantêm propriedades de correlação – a posição ou o momentum (produto da massa e da velocidade) medidos em uma partícula imediatamente poderia dizer a posição ou a dinâmica da outra.
Isso só poderia significar que a primeira partícula tinha valores definitivos de ambas as propriedades ao longo de todos os instantes, porque essas propriedades poderiam ser inferidas com precisão, sem qualquer ação física sobre a partícula. A interpretação de Copenhague, pelo contrário, parecia dizer que as propriedades da segunda partícula só se tornariam definitivas após a medição da primeira partícula, embora elas não estivessem mais em contato.
Após a publicação desse trabalho, Bohr argumentou, alguns meses depois, que, como não se pode fisicamente executar a medição simultânea de posição e momentum, não há maneira de provar sua coexistência como propriedades definidas. Bohr achou uma resposta convincente, evitando cuidadosamente qualquer tentativa de dizer o que estava acontecendo nos bastidores desse embate.

Contradição posta à prova

A proposição de Einstein e colaboradores em relação a essa falha da mecânica quântica somente pôde ser posta à prova experimentalmente em 1981 e 1982, quando um grupo de físicos franceses, liderado por Alain Aspect (1947-), observou que a medida de fótons especialmente separados era influenciada pelo tipo de medição feita.
A conclusão mostrou que a interpretação de Copenhague estava correta. O aspecto fundamental não abordado por Einstein e colaboradores é que existe um elemento de não-localidade – uma sutil ligação entre as duas partículas que persiste mesmo depois de elas serem separadas.

Esse episódio ilustra como o anarquista Einstein tornou-se muito conservador na sua fase mais madura. Trabalhou até os seus últimos dias procurando uma teoria de campo que unificasse a gravidade e o eletromagnetismo, mas nunca obteve sucesso.
Hoje a física está à espera de uma nova revolução anárquica que talvez desafie seus dois pilares atuais: a mecânica quântica e a teoria da relatividade geral. Provavelmente essa nova revolução não será feita apenas por um anarquista, mas por muitos. A teoria de supercordas talvez seja um caminho, mas ninguém ainda sabe ao certo. Pode ser que os novos resultados que surjam do maior acelerador de partículas do mundo, o LHC (sigla em inglês para Grande Colisor de Hádrons), inaugurado em setembro de 2008, sejam o estopim para uma nova revolução na física.

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A coluna Física sem mistério é publicada na terceira sexta-feira do mês



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