Ciência e Tecnologia
Cânticos Quânticos
Coluna Física sem Mistério
Publicada no Ciência-Hoje Online
18 de março de 2011
Quanta do latim Plural de quantum Quando quase não há Quantidade que se medir Qualidade que se expressar Fragmento infinitésimo Quase que apenas mental Quantum granulado no mel Quantum ondulado no sal Mel de urânio, sal de rádio Qualquer coisa quase ideal Cântico dos cânticos Quântico dos quânticos (Quanta, Gilberto Gil)
Há milhares de anos, talvez em uma noite com céu limpo de inverno, em volta de uma fogueira, homens primitivos conversavam entre si. Talvez falassem sobre as caçadas realizadas ou sobre as vitórias sobre um grupo rival. Eventualmente, alguns deles olhavam para as estrelas e tentavam entender o que seriam aqueles pontos brilhantes. Seriam “fogueiras” feitas por outros homens distantes? Ou seriam marcas deixadas por deuses poderosos que dominavam o mundo e suas vidas? Quando um raio despedaçava uma árvore, provocando um grande estrondo, que força poderosa estava por trás daquela destruição?
Naquela época, fenômenos naturais como tempestades, raios, trovões, tremores de terra, eclipses solares e lunares eram muitas vezes atribuídos a deuses poderosos que por vezes resolviam castigar os homens por alguma de suas atitudes.
Era preciso apaziguar os “humores” dessas entidades. Animais (e até seres humanos) eram sacrificados ou cânticos entoados para agradar os deuses. Algumas vezes, os sacrifícios ou os cânticos davam resultados, outras não. Os cânticos eram, de certa forma, uma maneira de tentar dominar aquelas forças desconhecidas e, algumas vezes, perigosas.
Quantum por quantum
Com o passar do tempo, o homem encontrou outras formas de tentar compreender a natureza. Outros cânticos são entoados, mas não mais de adoração e temor, e sim de busca por um entendimento mais profundo do cosmos.
Na escala atômica, o mundo é embalado por “canções” da física quântica. Mas essas canções não servem para explicar os movimentos da galáxia e a expansão do universo. Na escala cosmológica, a “música” é a da Teoria da Relatividade Geral, que toca de maneira muito diferente da física quântica.
As canções da física utilizam em suas partituras a matemática. Com sua linguagem lógica, que permite expressar ideias e conceitos que o sistema de comunicação humano tem dificuldade de traduzir, vai construindo uma forma de pensar e entender o mundo com uma profundidade incrível.
A física quântica permitiu a compreensão da natureza atômica da matéria, bem como uma série de fenômenos que a física clássica, desenvolvida do século 16 ao 19, não conseguia explicar. Era como se a “música” por ela composta não entrasse em harmonia com os fenômenos físicos observados.
Por exemplo, pela física clássica, os átomos não poderiam existir da forma como foi proposta há 100 anos pelo físico neozelandês Ernest Rutherford (1871-1937), ou seja, com um núcleo eletricamente positivo, composto por prótons (com cargas elétricas positivas) e nêutrons (sem carga elétrica), e com os elétrons (com cargas negativas) “girando” ao seu redor. (Leia a coluna 'O spin que move o mundo').
De acordo com a física clássica, esse átomo seria instável, já que os elétrons, pelo simples fato de “orbitarem” os núcleos atômicos, teriam que emitir energia, e como consequência, colidiriam com o núcleo.
Foi o físico dinamarquês Niels Bohr (1885-1962) que resolveu o problema, propondo uma nova teoria para explicar os átomos, em particular o átomo de hidrogênio. Nesse modelo, ele propôs que os elétrons somente poderiam ter níveis de energia discretos, ou seja, quantizados. A partir dessa ideia e de outras teorias e evidências experimentais, deu-se início à construção do que hoje chamamos física quântica.
Os “cânticos quânticos” são uma obra feita por diversas mãos. Começou com o físico alemão Max Planck (1858-1947), postulando que a energia poderia ser absorvida de maneira discreta; Albert Einstein (1879-1955), apresentando a ideia de que a luz é feita de partículas chamadas fótons; Niels Bohr, explicando o comportamento do átomo de hidrogênio, o físico francês Louis de Broglie (1892-1987), propondo que entes fundamentais como os elétrons poderiam também se comportar como ondas, entre outros.
Mas o conjunto musical ainda não estava completo. O alemão Werner Heisenberg (1901-1976), o austríaco Erwin Schrödinger (1887-1961) e o britânico Paul Dirac (1902-1984) chegaram para ampliar ainda mais as ideias quânticas.
Os físicos propuseram uma teoria que traz em seu cerne a incorporação de conceitos como a dualidade onda-partícula, a quantização da energia e a descrição dos objetos quânticos a partir de funções de ondas (Leia a coluna 'A física e realidade').
Esses conceitos ajudam a representar os estados quânticos por meio de cálculos probabilísticos. Cabe ressaltar que, na física quântica, a incerteza e a indeterminação fazem parte do cotidiano.
Unificando as forças
Os “cânticos quânticos” estão muito mais presentes no nosso dia a dia do que podemos perceber. Computadores, usinas nucleares, televisores, telefones celulares somente funcionam porque foi possível compreender, pelo menos em parte, o comportamento da matéria com a ajuda da física quântica.
Agora, busca-se completar essa descrição da natureza a partir de uma nova teoria que possa descrever todas as forças fundamentais da natureza ao mesmo tempo. Três delas são descritas pela física quântica (a força eletromagnética, a nucelar forte e a nuclear fraca) e a gravidade, pela Teoria da Relatividade Geral.
A dificuldade de se obter um “cântico quântico” para a gravidade é que a física quântica e a Teoria da Relatividade Geral são incompatíveis na maneira em que descrevem a natureza. É como se fossem duas vozes que, cantadas juntas, desafinam.
As teorias de cordas se propõem, mesmo diante das dificuldades existentes, a encontrar um “cântico quântico” único para descrever a natureza. De acordo com essas teorias, os entes fundamentais da natureza seriam diminutas cordas de energia que vibram em 11 dimensões.
Atualmente, nem o LHC (sigla de Large Hadron Collider, em português, grande colisor de Hádrons) tem energia próxima da necessária para descobrir essas cordas de energia.
Talvez leve algumas décadas para que consigamos alcançar esse objetivo, ou talvez nunca alcancemos de fato essa unificação, pois a cada passo que damos na compreensão da natureza, mais descobrimos o quão cheia de surpresas ela é. Portanto, ainda estamos longe de entoar o último “cântico quântico”.
Adilson de OliveiraDepartamento de Física
Universidade Federal de São Carlos
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