"É preciso trazer para a escola a Física Contemporânea", diz cientista
Ainda na infância, o cientista Adilson de Oliveira achava que estudar Física significava descobrir os segredos da natureza. Segundo ele, a famosa frase de Galileu: "A natureza é como se fosse um livro a ser lido e entendido" era uma verdade a ser descoberta por meio da Física. Foi com o sonho de se tornar cientista e o interesse em Astronomia que Adilson de Oliveira seguiu carreira na área e hoje é professor do departamento de Física da Universidade Federal de São Carlos.
Nesta entrevista, ele nos conta porque Albert Einstein revolucionou a história da ciência. "As grandes descobertas não ocorrem de maneira mágica, mas a partir de um trabalho árduo. Einstein tinha uma enorme capacidade de trabalho".
E afirma que a Física precisa se tornar mais atraente para os estudantes. "Ela ainda parece misteriosa e para poucos "iniciados". E aponta uma solução: "É preciso trazer para a escola a Física Contemporânea, que foi responsável pela revolução tecnológica do século XX", explica o professor. "Ensinar os princípios básicos de funcionamento do laser, dos dispositivos eletrônicos, microondas, sem dúvida, transformaria a Física em algo mais interessante". Leia a seguir:
AOL - Albert Einstein revolucionou o estudo da Física. Por que?
Adilson de Oliveira - Uma revolução em Ciência ocorre quando há uma ruptura dos modelos vigentes. As idéias de Einstein, publicadas há 100 anos, tiveram esse caráter. Naquela época toda a Física era baseada na Mecânica Newtoniana, na teoria eletromagnética de Maxwell e na termodinâmica. Contudo, existiam alguns problemas que não eram explicadas por essas teorias. Nesse aspecto, as idéias de Einstein vieram balançar os alicerces da Física, pois introduziram conceitos novos. Só para ficar com duas contribuições importantes que ele publicou em 1905, a teoria da relatividade restrita e o efeito fotoelétrico, podemos perceber como estas influenciaram a Física. A primeira modificou de maneira radical a forma de entendermos o espaço e o tempo e a segunda introduziu a idéia do fóton ("quantum de luz" como foi denominado por Einstein naquela época). Fazendo uma comparação com uma peça de teatro, o espaço e o tempo, na Física Clássica, eram como se fossem apenas os palcos onde se desenrolavam os acontecimentos. Já na Relatividade, estes se transformaram em personagens, que participam da ação. Outra conseqüência importante foi a dedução da famosa relação entre massa e energia (E=mc2). A idéia do fóton foi fundamental para o desenvolvimento da Mecânica Quântica. Esta teoria que modificou profundamente a forma de entender a matéria na sua forma mais fundamental. Contudo, Einstein ainda fez uma contribuição mais importante para a Física que foi a generalização da teoria da relatividade, em 1916. Resumindo em poucas palavras, esta teoria explicou a natureza da força gravitacional. Com essa teoria foi possível explicar o universo em larga escala e prever a existência de buracos negros, por exemplo.
Para muitos, a teoria da relatividade ainda é incompreensível. Como um professor de Física pode ensiná-la para os leigos de uma forma acessível?
Adilson de Oliveira - Acho que não somente a Teoria da relatividade é incompreensível para a maioria das pessoas, mas a Física em geral. Embora ela esteja presente no cotidiano de forma marcante ela parece misteriosa e somente poucos "iniciados" podem entendê-la. No caso específico de sua pergunta, a dificuldade de compreender a Relatividade reside no fato que os seus efeitos não são perceptíveis no cotidiano. Os efeitos relativísticos somente são relevantes quando os fenômenos ocorrem em velocidades próximas a velocidade da luz. Essa situação ocorre, por exemplo, nos aceleradores de partículas e nas máquinas de radiação síncrotron, como a que tem em Campinas no LNLS (Laboratório Nacional de Luz Síncrotron). Nessas máquinas se investiga a natureza íntima da matéria através de colisão de partículas elementares (como prótons e elétrons). Nos síncrotrons e se produzem raios-X de alta intensidade para serem utilizados na determinação de estruturas de moléculas, proteínas e materiais no geral. Esses equipamentos não funcionariam se não utilizassem os conceitos da Relatividade de Einstein.
Por que a Física se tornou um bicho de sete cabeças para os estudantes? Você concorda com a forma que ela é ensinada nas escolas?
Adilson de Oliveira - O estudo da Física sempre foi difícil para os estudantes, em todas as épocas. O fato da Física ser uma ciência fundamental e se propor a explicar a natureza de uma forma muito profunda torna-a muito complexa. Outro problema é, sem dúvida, a matemática. Uma maneira de transformar a Física em algo mais atraente é tentar apresentá-la de uma forma mais próxima do cotidiano, sem deixar de mostrar os fundamentos físicos envolvidos. É também necessário trazer para o ensino médio a Física Contemporânea, que foi responsável pela revolução tecnológica do século XX. Ensinar os princípios básicos de funcionamento do laser, dos dispositivos eletrônicos, refrigeradores, microondas etc, sem dúvida, transformaria a Física em algo mais interessante. No momento existem muitos esforços para tentar deixar a Física mais próxima dos alunos. Esse acaba sendo um dos objetivos do Ano Internacional da Física.
Qual o objetivo do ano da Física, proposto pela Unesco? Quais os eventos programados no Brasil?
Adilson de Oliveira - O objetivo do ano da Física é, além de fazer uma homenagem a um dos momentos mais revolucionários da história da Ciência, popularizar essa Ciência e mostrar a sua importância no mundo atual. Atualmente a Física e os seus métodos de investigação estão presentes nas mais diversas áreas do conhecimento, como na Biologia Molecular, Engenharia, Eletrônica e até na Economia. Contudo, a maioria das pessoas ignora a sua abrangência.
No Brasil praticamente todos os departamentos e Institutos de Física estarão fazendo eventos para divulgar a Física. Em particular, no dia 19 de maio será o dia da Física no Brasil. Nesse dia haverá "muito barulho".
No ano em que se celebra o aniversário de morte de Einstein, muito se especula sobre sua vida pessoal. O senhor acha importante sabermos mais sobre a pessoa por trás do mito?
Adilson de Oliveira - Neste ano, além de se comemorar os 100 anos dos trabalhos de Einstein, também faz 50 anos da sua morte. Einstein se transformou no físico mais famoso de todos os tempos, pois além de ser um cientista brilhante ele também se envolveu em questões de ordem filosófica e política. Basta lembrar que da mesma maneira que ele influenciou na época da 2ª. Guerra Mundial a produção da bomba atômica ele também defendeu de forma fervorosa a sua não utilização e pregava que o mundo somente encontraria equilíbrio e paz se tivesse um governo mundial. Alguns anos antes da sua morte ele foi convidado para ser presidente de Israel, mas ele recusou. Dessa forma, vemos como as suas idéias foram além da Ciência. Saber sobre a pessoa de Einstein nos ajuda a compreender um pouco melhor a sua maneira de pensar. Fala-se muito que ele não sabia matemática ou era um estudante relapso. Isso tem muito de lenda e acaba passando a noção que as grandes descobertas ocorrem de maneira mágica e não a partir de um trabalho árduo. Einstein, sem dúvida, tinha uma enorme capacidade de trabalho.
Por que o senhor escolheu a Física como carreira? Quais foram as suas primeiras impressões com esta ciência?
Adilson de Oliveira - A minha escolha inicial para a carreira de Física foi devido ao desejo de ser cientista, pois queria entender e descobrir os segredos da natureza, desde da minha infância. Tive alguns professores no ensino fundamental e médio que me incentivaram e outros que me desencorajaram. Estes últimos talvez tiveram tal atitude por falta de visão sobre a carreira. O meu interesse por Astronomia também foi um grande motivador. Hoje o meu trabalho é com Física Experimental voltado para área de Magnetismo. A primeira impressão que eu tive com a Física foi a de fascinação. A profundidade que a Física aborda os seus temas dá uma sensação de que podemos entender a Natureza e descobrir os seus mistérios. Como dizia Galileu: "A natureza é como se fosse um livro a ser lido e entendido". A Física, no meu ponto de vista, é uma das maneiras de se conseguir isso.
Quais os desafios da Física atual, 100 anos depois das teorias de Einstein?
Adilson de Oliveira - Os avanços da Física nos últimos 100 anos foram maiores do que ela teve em toda a sua história. Os modelos atuais da Física permitem fazer uma descrição quase que completa da maioria dos fenômenos que conhecemos na natureza. O grande desafio da Física no século XXI é sem dúvida a unificação dos seus dois pilares de sustentação: A Mecânica Quântica e a Teoria da Relatividade Geral. A Mecânica Quântica descreve com sucesso 3 das 4 forças fundamentais da Natureza (a eletromagnética, nuclear forte e nuclear fraca). A quarta força, a gravidade, é descrita pela Teoria da Relatividade Geral. O grande sonho é encontrar uma única teoria que possa descrever todas essa interações. Existem algumas propostas para isso como a teoria de supercordas e a gravidade quântica. Contudo nenhuma delas conseguiu sucesso nessa descrição. No momento está sendo feita uma grande reforma no acelerador de partículas do CERN (Centro Europeu para Pesquisas Nucleares) no qual os físicos esperam encontrar algumas respostas para essas teorias. Outro aspecto que sem dúvida será importante nesse século será a aproximação da Física com outras ciências, em particular com a Biologia Molecular. Descobertas de novos fenômenos relacionados a eletrônica de spin e computação quântica também se transformarão em aplicações tecnológicas num futuro muito próximo.
Como é o estudo da Física no Brasil? Quais as pesquisas interessantes que foram feitas no país?
Adilson de Oliveira - A Física brasileira é reconhecida mundialmente com contribuições importantes. Basta lembrar da recente perda de César Lattes que quase ganhou um prêmio Nobel. Não poderia enumerar quais são as mais importantes porque poderia deixar de citar alguma. Mas com certeza há pesquisas de ponta em todos os ramos como Biofísica, Física Médica, Física de Materiais etc. Embora não dispondo das mesmas condições financeiras dos países da Europa e dos Estados Unidos, no Brasil se faz Física de alto nível.