Ciência e Tecnologia
O caminho que a bússola nos mostrou
Publicado no AOL-Educação em 27/05/2005
O atual estágio de desenvolvimento científico e tecnológico que foi alcançado pela humanidade, embora não compartilhado por todas as pessoas, é fruto do conhecimento acumulando ao longo de séculos. Ao compreender os fenômenos da Natureza, o Homem conseguiu aplicá-los a seu favor. Em particular, um dos mais antigos fenômenos naturais, e que atualmente tem uma enorme importância, é o magnético. Existem evidências de que os chineses, há 3.500 anos, descobriram que determinado tipo de material, quando deixado livre, se movia para uma direção particular.
Essa descoberta transformou-se no que chamamos de bússola. Esse instrumento é mencionado na Europa, pela primeira vez, por Alexandre Neckma em 1187. Duzentos anos depois, esse instrumento tornou-se indispensável para as grandes navegações realizadas por países como Portugal, Espanha, Holanda e Itália, permitindo as primeiras explorações em escala planetária e o primeiro ciclo de globalização da humanidade.
A difusão da utilização da bússola decorreu da simplicidade de seu funcionamento, baseado no fato de que nosso planeta é um gigantesco ímã com dois pólos magnéticos. A bússola também é um ímã, e ao interagir com o campo da Terra, os pólos opostos se atraem. Dessa forma, se deixarmos um ímã mover-se livremente, ele tende a se alinhar com o campo magnético da Terra.
A origem desse campo está associada ao movimento do magma que existe no interior do planeta. Há evidências de que em determinados períodos os pólos magnéticos terrestres se invertem, embora esse mecanismo ainda não seja totalmente compreendido. Entretanto, qual é a origem da força magnética?
No ano de 800 a.C., Thales de Mileto acreditava que a magnetita (um ímã natural) possuía as propriedades de atração e repulsão devido ao fato de ela ter “uma alma própria”. Posteriormente, Platão tenta explicar os fenômenos magnéticos admitindo que a atração e a repulsão ocorriam devido à “umidade” e à “secura” da magnetita. Entretanto, essas idéias eram apenas especulações e não revelaram a verdadeira origem do magnetismo.
Embora tenha havido alguns avanços na compreensão do magnetismo com Petrus Peregrinus, em 1269, e com Gilbert, em 1600, somente no século XIX os seus mistérios começaram a ser desvendados por cientistas como Ampère, Oersted, Henry e Faraday. Eles descobriam que tanto os fenômenos magnéticos como os elétricos tinham uma origem comum. Em 1845, de maneira independente, Faraday e Henry descobriram que era possível produzir uma corrente elétrica fazendo com que um ímã se movesse no interior de um enrolamento de fios (bobina), ou que o ato de passar uma corrente elétrica através de uma bobina geraria um campo magnético.
Essa é a lei da indução eletromagnética, que se transformou em uma das mais importantes descobertas do século XIX, pois a partir da sua aplicação foi possível desenvolver formas de produção de energia elétrica em larga escala.
Uma síntese desses conhecimentos foi feita por James Clark Maxwell, demonstrando que a eletricidade e o magnetismo são diferentes manifestações do mesmo fenômeno físico. Ele mostrou também que a luz é uma combinação de campos elétricos e magnéticos se propagando através do espaço. Alguns anos depois, Hertz observou as ondas eletromagnéticas comprovando essa hipótese.
A origem do magnetismo da matéria somente foi compreendida nas primeiras décadas do século XX. O magnetismo está associado ao movimento dos elétrons ao redor do núcleo atômico e a uma propriedade intrínseca dos elétrons e prótons (e outras partículas atômicas) que denominamos de spin (como se fosse a rotação das partículas em torno de si mesmo, mas essa idéia é uma aproximação grosseira).
Dentre as inúmeras aplicações dos fenômenos magnéticos, destaca-se a gravação magnética de informações em computadores. Cada informação gravada no disco rígido é feita por meio da aplicação de campos magnéticos sobre o material magnético que o compõe. As informações são gravadas na forma de um código binário, como uma seqüência de “0” e “1”. Pode-se representar, por exemplo, o “0” como um pequeno ímã com o pólo norte apontando para cima e o “1” com o pólo sul apontando para baixo.
Com o conhecimento mais profundo dos mecanismos responsáveis pelos fenômenos magnéticos da matéria e os avanços na produção de materiais na escala atômica, tornou-se possível construir artificialmente novos materiais que apresentam propriedades magnéticas inusitadas. Um exemplo disso é a utilização de um fenômeno físico, descoberto em 1988, chamado de “magnetorresistência gigante”, com a participação de um pesquisador brasileiro, o Prof. Mário Baibich, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Naquela época, ele trabalhava em um laboratório em Orsay, na França, liderado pelo Prof. Albert Fert. Esse fenômeno ocorre quando se produzem finas camadas de átomos alternando-se materiais magnéticos e não-magnéticos.
Quando se aplica um campo magnético, a resistência à passagem da corrente elétrica desta estrutura varia dezenas de vezes. Isso permite a sua utilização como um sensor magnético muito preciso. Nos últimos 10 anos, praticamente todos os computadores utilizam esse tipo de dispositivo em seus discos rígidos. Isso permitiu que as capacidades dos discos rígidos, que eram na ordem de 1 ou 2 gigabytes, fosse aumentada para 200 gigabytes. Talvez em toda a história da Ciência não houve outra descoberta de um fenômeno físico que se transformasse em uma aplicação tecnológica de grande importância tão rapidamente.
Quando os navegadores portugueses e espanhóis cruzavam o Atlântico, há mais de 500 anos, não imaginavam que o princípio de funcionamento daquele pequeno instrumento, fundamental para guiá-los através de mares nunca antes navegados, poderia ser utilizado de tantas formas diferentes. Da mesma maneira que eles conseguiram descobrir novos mundos, seguindo a firme indicação da bússola, hoje utilizamos o mesmo fenômeno (magnetismo) para navegar por oceanos de informações, permitindo a descoberta de novas idéias e transformando o nosso Mundo.
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