O Samba Terra-Lua
Ciência e Tecnologia

O Samba Terra-Lua


Coluna Física sem mistério
Publicada no Ciência Hoje On-line
16/02/2007

O carnaval é considerado o maior espetáculo da Terra. Em particular, o desfile das escolas de samba nas grandes capitais como Rio de Janeiro e São Paulo atraem a presença de milhares de pessoas e de milhões de espectadores pela TV, em um show de cores e sons, música e harmonia, movimentos cadenciadas por ritmos que exaltam uma parte da alma do brasileiro. Enfim, o carnaval é uma festa de alegria.

Essa festa tão grandiosa não tem data fixa. A cada ano ela ocorre em dias diferentes. Algumas vezes em fevereiro, outras em março. Neste ano, a terça-feira de carnaval é no dia 21 de fevereiro. Em 2003, ela ocorreu no dia 4 de março e, no ano que vem, será em 5 de fevereiro. Por que será que isso acontece? O rei momo gosta de mudar seu período de trabalho?

A mudança de data ocorre porque a terça-feira de carnaval cai 47 dias antes do domingo da Páscoa, que tem a sua data determinada em função de uma combinação de dois eventos astronômicos: as fases da Lua e as estações do ano.

Um decreto do papa Gregório 13 de 24 de fevereiro de 1582, seguindo a uma decisão tomada no concílio de Nicéia no ano de 325, determinou que a páscoa deveria ocorrer no primeiro domingo após a Lua cheia que ocorre a partir de 21 março, ou seja, no início da primavera do hemisfério norte e do outono no hemisfério sul. Na realidade, existem ainda alguns detalhes sobre a determinação dessa data, como a utilização do período lunar eclesiástico, que considera como 13 dias o tempo entre a Lua cheia e a Lua nova, o que difere um pouco do ciclo lunar real.

No carnaval deste ano a Lua não participará dos desfiles, pois estará no céu durante o dia e por isso dificilmente poderá ser observada. A Lua e a Terra realizam movimentos que lembram a dança do mestre-sala e da porta-bandeira. O movimento de revolução da Lua ao redor da Terra, que tem duração de 29 dias e meio, é responsável pelas fases da Lua. A presença do Sol, nesse caso como espectador da evolução desse par, também é fundamental.

Mestre-sala e porta-bandeira



Quando o Sol, a Lua e a Terra estão praticamente alinhados, a região não iluminada da superfície lunar é que fica voltada em direção à Terra, o que caracteriza a fase da Lua nova. Continuando a sua dança, o mestre-sala – a Lua –, após aproximadamente sete dias, atinge uma posição em que a metade de sua superfície iluminada pode ser vista pela porta-bandeira – a Terra –, ocorrendo a fase de quarto crescente, na qual apenas um quarto da face da Lua pode ser avistado da Terra.


Após mais sete ou oito dias a Lua fica em uma posição na qual mostra toda a sua face iluminada para nós: é a fase de lua cheia. Continuando seu trajeto, a Lua começa novamente a se esconder e, após sete dias, novamente vemos apenas um quarto. Estamos então na fase de quarto minguante. Finalizando sua evolução, o mestre-sala volta à posição inicial e esconde novamente sua face para a porta-bandeira, completando seu ciclo.

A dança entre a Lua e a Terra ainda proporciona outras evoluções. O mestre-sala (a Lua) sempre mostra a mesma face para a porta bandeira, pois a Lua gasta o mesmo tempo para girar em torno da Terra e de si mesma. Essa sincronização de movimentos não é obra do acaso, mas sim o efeito da atração mútua que ambas exercem entre si. Essa sincronicidade é conseqüência das marés que a Lua produz na Terra e, também, que a Terra produz na Lua.

O conceito de maré nesse caso está associado à deformação provocada pela atração gravitacional: as marés dissipam energia de movimento e, dessa forma, fazem com que a rotação da Terra e da Lua diminua. Como a Terra tem 82 vezes mais massa que a Lua, esta sente os efeitos de uma maneira mais intensa, tanto que a rotação da Lua foi freada e forçada a uma rotação síncrona. Ao mesmo tempo, a Terra também é freada e estima-se que a duração do dia esteja aumentando em uma taxa de 2 segundos por milênio. Além disso, esse efeito faz com que a Lua também se afaste da Terra alguns centímetros por ano, o que é pouco perceptível. A Lua está aproximadamente 384 mil quilômetros distante de nós.

Eclipses



A dança desse casal celeste pode ainda mostrar novos fenômenos. Em particular os eclipses tanto do Sol como da Lua acontecem quando o par Terra-Lua fica perfeitamente alinhado com o Sol. Os eclipses não ocorrem todos os meses porque a Lua, ao executar o seu movimento ao redor da Terra, o faz com uma inclinação de aproximadamente 5º em relação ao plano da órbita da Terra ao redor do Sol. Quando ocorre a combinação ideal, podemos ter o eclipse do Sol na lua nova e o eclipse da Lua na lua cheia. No primeiro caso, a Lua projeta a sua sombra sobre a Terra e no segundo ocorre o contrário. No eclipse do Sol, tudo acontece como se o mestre-sala (a Lua) quisesse esconder do público (o Sol) a porta-bandeira (Terra). No segundo caso, ocorre o contrário: a Terra esconde o Sol da Lua.


Nessas comparações não podemos esquecer que a Lua tem o seu raio quase quatro vezes menor do que o da Terra e, por estar distante, aparentemente tem o mesmo tamanho do Sol no céu. Por esse motivo é possível ocorrer eclipses totais, nos quais o Sol fica completamente escondido. Contudo, estes somente são observados em algumas regiões da Terra e por no máximo alguns minutos. No caso do eclipse lunar, a Terra consegue esconder completamente o Sol da Lua por várias horas, cobrindo praticamente toda a face da Lua.

Além desses movimentos, a Lua e a Terra realizam seu desfile anual ao redor do Sol. Como o Equador terrestre está inclinado aproximadamente 23,5º em relação ao plano da órbita da Terra, os hemisférios são iluminados de maneiras distintas. No verão, a época que estamos vivendo agora, o Sol ilumina mais o hemisfério Sul e menos o hemisfério Norte (por isso lá é inverno neste momento). No outono e na primavera, os hemisférios são iluminados de maneira semelhante.

A dança celeste entre a Terra e a Lua se estende por todo o cosmos. Lembrando que Sol também se movimenta ao redor da nossa galáxia, com velocidade de 220 quilômetros por segundo, completando uma volta a cada 250 milhões de anos. A nossa galáxia, como todas as outras do universo, está se afastando das outras em velocidades ainda maiores e, em alguns casos, próximas à da luz. A performance desse casal de mestre-sala e porta-bandeira ocorre graças à atração gravitacional que um exerce sobre o outro. Esse desfile já acontece há bilhões de anos e, sem dúvida, é um dos maiores espetáculos que podemos observar.
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A coluna Física sem Mistério é publicada na terceira sexta-feira do mês pelo físico Adilson J. A. de Oliveira, professor da UFSCar





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