Ciência e Tecnologia
Os temores do céu
Coluna Física sem mistério
Ciência Hoje on line
publicada em 18 de abril de 2014
O desconhecido pode gerar medo e desconfiança. Quando não sabemos por que determinadas situações acontecem, nos sentimos inseguros e procuramos evitá-las. Fenômenos naturais como tempestades, erupções vulcânicas, terremotos etc., que estão fora de nosso controle, são exemplos de situações que assustam. Mesmo compreendendo suas causas, ficamos perplexos diante de seus efeitos.
Na Antiguidade, tentava-se prever situações perigosas a partir da ‘leitura’ de sinais que de algum modo indicassem a iminência de uma catástrofe. Como tais eventos só ocorreriam devido à reação de uma entidade divina para castigar os homens, imaginava-se que os sinais estariam escritos no céu.
Descobrir os segredos escondidos entre as estrelas, a Lua, o Sol e os planetas tornou-se então uma prática importante desde os primórdios da civilização. Dessa forma, nasceu a astrologia, que precedeu a astronomia.
Mas, diferentemente da astronomia, a astrologia é uma pseudociência. Suas práticas e resultados não podem ser comprovados pelo método científico nem seus resultados podem ser verificados com o rigor da experimentação, seja pela reprodutibilidade ou por testes estatísticos.
Quando observamos o céu a olho nu, vemos que as estrelas se mantêm fixas umas em relação às outras ao longo do tempo. Por isso cada povo, em diferentes épocas, visualizou seus deuses e mitos ‘desenhados’ entre as estrelas. O nome que se dá a esse agrupamento de estrelas é constelação. Os nomes daquelas que observamos hoje vêm da mitologia greco-romana, como a constelação de Órion (caçador implacável) ou do Centauro (um ser fantástico).
Mas as estrelas de uma constelação não apresentam qualquer ligação física entre si, pois estão a anos-luz de distância umas das outras. A estrela Alfa-Centauri é a mais brilhante da constelação do Centauro e está a 4,2 anos-luz de distância da Terra. Já Beta-Centauri está a 350 anos-luz de nós (um ano-luz, vale lembrar, equivale a aproximadamente 10 trilhões de quilômetros). Por mais belas que sejam, as constelações são apenas símbolos que os nossos olhos veem no céu.
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Região do céu da constelação do Centauro |
Os planetas são corpos que se movem na frente das constelações. Seus movimentos podem ser previstos e calculados com precisão, pois a força que controla esse movimento é a da gravidade.
Os planetas se movimentam perto de uma parte do céu que chamamos de eclíptica, que define o plano de órbita da Terra. Ao longo de um ano vemos que o Sol passa na frente de 13 constelações, mas para a astrologia existem apenas 12. Já os planetas, dependendo da distância que estão do Sol, podem levar meses ou até dezenas de anos para dar uma volta completa em torno dele. Mercúrio gasta cerca de 88 dias; já Netuno, o planeta mais distante do Sol, leva 164,80 anos.
Assim, na astrologia, a combinação da passagem de um planeta, do Sol e da Lua na frente de uma constelação pode representar desde um dia feliz para alguém até o prenúncio de uma catástrofe. Como enfatizado, as previsões astrológicas não resistem a testes estatísticos ou a qualquer outra verificação científica. A astrologia, sem base científica, não passa de uma crença.
Outros temores
Neste mês de abril, aconteceram dois eventos astronômicos importantes: a oposição de Marte e o eclipse total da Lua. O primeiro se deu no dia 8 de abril e o segundo, no dia 15. No caso da oposição de Marte, é quando ele está exatamente na posição oposta ao Sol, ou seja, quando o planeta está mais próximo da Terra.
A partir desse momento, Marte começa a descrever um movimento retrógrado, pois, como a Terra está mais perto do Sol, ela se move mais depressa ao seu redor; a partir desse ponto, vemos Marte voltar no céu. Já que tanto a órbita da Terra quanto a de Marte não são circunferências perfeitas, mas elipses (a de Marte é mais excêntrica que da Terra), essa distância não é a mesma em cada oposição. Mas, para os astrólogos, esse movimento retrógrado pode ter muitos significados, em geral ruins, como deixar as pessoas mais agressivas ou teimosas.
Mas qual a influência de Marte sobre nós? O que muda pelo fato de o planeta estar mais perto da Terra? Do ponto de vista estritamente físico, quando Marte e a Terra estão mais próximos, o único efeito é o aumento da atração gravitacional entre ambos. Mas esse efeito é muito pequeno. A diferença da força da gravidade quando Marte está mais próximo ou mais afastado da Terra (situações extremas) é da ordem de 28%.
A atração gravitacional que Marte exerce sobre a Terra (e vice-versa) é cerca de 10 mil vezes menor que a força gravitacional que a Lua exerce sobre a Terra (e vice-versa). Portanto, a variação do efeito gravitacional de Marte sobre a Terra é desprezível.
Luas de sangue
Quanto ao eclipse da Lua do último dia 15, foi muito divulgado pelos meios de comunicação que aquela seria a primeira de quatro ‘luas de sangue’ (as demais estão previstas para os dias 08/10/2014, 04/04/2015 e 28/09/2015). A expressão advém do fato de que, durante o eclipse lunar total, a Lua chega a ficar completamente vermelha.
Isso ocorre porque, durante o eclipse, a Lua entra no cone de sombra que a Terra projeta, e a única luz que a ilumina nessa situação, a única luz que chega à sua superfície, é aquela que atravessa a borda da atmosfera terrestre. Como muitas partículas estão suspensas na atmosfera da Terra, há um espalhamento da luz, destacando-se o vermelho. O mesmo fenômeno ocorre no pôr do sol, em que o vermelho predomina.
Pelo fato de os eclipses de abril se darem em datas próximas à páscoa e a festas do calendário judaico, algumas publicações os associaram a sinais de eventos catastróficos para a humanidade. Mas eventos astronômicos como esses são periódicos e já ocorreram inúmeras vezes (os últimos foram em 2003 e 2004).
Olhar para céu e admirar as estrelas, os planetas, a Lua e o Sol é uma das coisas mais belas que podemos fazer. E, quando compreendemos que, além da beleza, há toda uma mecânica que determina os movimentos, ficamos ainda mais maravilhados. Afinal, o céu é para nos encantar e não para nos meter medo.
Adilson de Oliveira
Departamento de Física
Universidade Federal de São Carlos
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