Os leitores que acompanham os textos desta coluna já devem ter percebido que o tempo é um dos meus assuntos favoritos. Esse é um tema que me fascina há muito tempo (sem falso trocadilho), pois suscita reflexões tanto do ponto de vista da física quanto da filosofia, psicologia, arte, literatura, música e outras tantas disciplinas.
O tempo, apesar de ter uma medição bem definida, não é de fácil definição nem de universal percepção. Podemos ficar envolvidos com certas atividades nas quais não percebemos o tempo passar. É o que acontece, por exemplo, quando fazemos algo que nos agrada, como uma leitura cativante ou estar na companhia de uma pessoa interessante.
Da mesma maneira, em outras situações, alguns poucos minutos podem nos causar a sensação de que horas se passaram. É o caso de quando fazemos algo maçante ou vivemos um problema angustiante, como ficar preso no elevador.
Como já abordei em outra oportunidade (veja a coluna ‘A invenção do tempo’), marcar o tempo sempre foi uma necessidade humana, pois a nossa vida é determinada por ciclos e a repetição destes foi fundamental para o desenvolvimento da humanidade, em particular da agricultura, nos primórdios da civilização
os dias atuais, controlar o tempo é mais vital (veja a coluna ‘A luta cotidiana contra o tempo’). Praticamente todos nós temos agendas que marcam os nossos compromissos. Os mais conectados, como eu, têm a agenda no telefone celular, para lembrar o início de cada compromisso, seja na hora em que ele vai começar, ou dias antes, como é o caso do aviso para me lembrar que está chegando o dia de enviar uma nova coluna para a Ciência Hoje On-line.
O tempo pode nos parecer abstrato, sem realidade física, apenas uma sucessão de eventos que marcam a sua passagem, como a rotação e translação da Terra e o movimento dos ponteiros dos relógios. Mas o tempo tem uma conexão profunda com aspectos fundamentais da natureza e, ao mesmo tempo, não pode existir sozinho.
A construção de um conceito
A busca pelo entendimento sobre o que seria o tempo vem de épocas antigas. Existe a famosa reflexão feita por Santo Agostinho (354-430) sobre a natureza dessa dimensão: “O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei. Porém, atrevo-me a declarar, sem receio de contestação, que se nada sobreviesse, não haveria tempo futuro, e se agora nada houvesse, não existiria o tempo presente.”
Essa afirmação mostra a dificuldade em se definir o tempo. Para Santo Agostinho, sua existência está ligada de alguma forma à existência do mundo que nos cerca, de forma que ele não estaria desconectado do próprio universo.
Um dos mais influentes filósofos de todos os tempos, o francês René Descartes (1596-1650), em seus diversos escritos, refletiu acerca do tempo, considerando-o a maneira de conhecer a duração de alguma coisa e, dessa forma, ele estaria apenas em nosso pensamento.
O conceito clássico de tempo como algo de fundamental importância para descrever os fenômenos naturais tem uma das suas primeiras definições na grandiosa obra de Isaac Newton (1642-1727) Principia, que o apresenta como “o tempo absoluto, verdadeiro e matemático, de si próprio, e de sua própria natureza flui igualmente sem consideração por nada externo, e por um outro nome é chamado de duração...”
Newton afirma que o tempo é algo independente, que passa sem sofrer qualquer ação, seja ela humana ou natural. Para ele, o tempo é decorrência de uma sucessão de eventos, como a maioria de nós o percebe. Para medir o tempo, segundo Newton, é necessário medir o movimento, seja a oscilação de um pêndulo ou os movimentos celestes (como a rotação e translação da Terra). Em suas próprias palavras, “todos os movimentos podem ser acelerados ou retardados, mas o progresso verdadeiro ou reproduzível do tempo absoluto não é suscetível a nenhuma mudança”.
ssa forma de compreender o tempo permaneceu inalterada até o começo do século 20. Nessa época estavam consolidados dois pilares importantes da física: a mecânica clássica e o eletromagnetismo. O primeiro, que se baseia principalmente nas ideias de Newton, permite a descrição de inúmeros fenômenos, como o movimento dos planetas. O segundo se sustenta principalmente na teoria eletromagnética desenvolvida por James C. Maxwell (1831-1879), que mostrava por meio de quatro equações fundamentais, entre diversos resultados, que a luz era uma onda eletromagnética.
A relatividade do tempo
Essas teorias apresentavam, porém, certas incompatibilidades, em particular no que tange à descrição de observadores em movimento, ou seja, diferentes observadores perceberiam os fenômenos eletromagnéticos de maneira diferente. Isso significava que ou as equações de Maxwell estavam erradas ou os princípios da mecânica clássica estavam incorretos.
Para resolver esse problema, Albert Einstein (1876-1955), em 1905, publicou um artigo revolucionário, denominado ‘Sobre a eletrodinâmica dos corpos em movimento’, no qual apresenta os princípios da teoria da relatividade restrita. Essa teoria tem dois princípios fundamentais. De uma maneira simplificada, eles afirmam que as leis físicas são as mesmas para todos os observadores inerciais (em repouso ou em movimento uniforme) e que a velocidade da luz é invariante para qualquer observador.
Com base nesses princípios, Einstein mostrou que, ao contrário do que Newton defendia, a passagem do tempo depende do movimento. Quanto mais rápido se move, mas lento o tempo passa. Por mais incrível que isso possa parecer, tal resultado foi observado em diversos experimentos científicos e máquinas como os aceleradores de partículas somente funcionam de maneira adequada por serem projetadas em função das previsões da teoria de Einstein.
Posteriormente, em 1915, Einstein estendeu a sua teoria para explicar os fenômenos em referenciais acelerados, o que levou à elaboração da teoria da relatividade geral, que se tornou uma nova teoria para a força da gravidade. Um dos seus resultados relevantes é que a gravidade também afeta a passagem de tempo, de forma que quanto mais perto estamos do centro da Terra, mais devagar ela ocorre.
Algumas das teorias mais modernas elaboradas para descrever a gravidade em nível quântico, como a dos loops gravitacionais, predizem a possibilidade de tanto o espaço quanto o tempo serem discretos. Dessa forma, nenhum instante de tempo poderia ser menor do que uma quantidade na ordem de 10-34 s (1 dividido por 10 seguido de 33 zeros!). O tempo deixaria de ser algo contínuo para se transformar em algo discreto. Contudo, isso ainda é apenas teoria e não há evidências experimentais para confirmá-la.
O tempo, tão presente nas nossas vidas, é muito enigmático. Sua verdadeira natureza ainda é debatida por filósofos e investigada pelos cientistas. Uma resposta definitiva ainda não foi alcançada. Somente o tempo nos ensinará o seu real significado.
Adilson de OliveiraDepartamento de Física
Universidade Federal de São Carlos