Ciência e Tecnologia
Uma possível jornada nas estrela
Coluna Física sem mistério
Publicada no Ciência Hoje On-line
20/07/2007
Ao olhar para o céu nas noites claras de inverno, como ocorrem nesta época do ano, pode-se observar milhares de estrelas com diferentes formas e cores. Esses pequenos pontos luminosos, que na verdade são gigantescos corpos celestes compostos basicamente de hidrogênio e hélio em altíssimas temperaturas, estão tão distantes que, ao olharmos para eles, não podemos vê-los no presente momento, mas sim como eles eram no passado.
Não é conveniente medir em quilômetros a distância das estrelas. Por exemplo, a distância do Sol à Terra é de 150 milhões de km. A estrela seguinte mais próxima, Alfa-Centauri (a mais brilhante da constelação do Centauro, que na verdade constitui um sistema triplo de estrelas), dista 40 trilhões de km.
Para termos uma idéia dessa escala, imagine que fôssemos construir uma maquete colocando essas duas estrelas. Se considerarmos a distância Terra-Sol igual a um metro, Alfa-Centauri deveria ser colocada a 270 km, distância aproximada da minha cidade, São Carlos, a São Paulo. A luz, que viaja a 300.000 km/s, leva oito minutos para percorrer a distância que nos separa do Sol. Já a luz de Alfa-Centauri leva mais de quatro anos para atingir a Terra. Por isso, utiliza-se como unidade de distância, nas escalas astronômicas, a unidade ano-luz, ou seja, a distância que a luz percorre em um ano, que equivale a 9,5 trilhões de km.
Dessa maneira, ao observarmos Alfa-Centauri, estamos vendo a luz que partiu dela há quatro anos. A estrela Sírius, a mais brilhante do céu, é vista na Terra como era há oito anos e meio. A estrela Betelgeuse, a brilhante estrela vermelha de Órion, se apresenta para nós como era 427 anos atrás. O objeto mais distante que podemos observar a olho nu é a vizinha galáxia de Andrômeda, que possui mais de 100 bilhões de estrelas. Ao olharmos para ela, observamos como ela era há dois milhões de anos – uma época em que o homem ainda não caminhava sobre a Terra. Outros objetos já foram observados a distâncias superiores a bilhões de anos-luz.
Essas distâncias incomensuráveis que nos separam das estrelas e galáxias no universo de certa maneira nos deixam isolados. As espaçonaves Voyager 1 e 2 são as mais velozes já construídas pelo homem e viajam na impressionante velocidade de 151 mil km/h e 128 mil km/h, respectivamente (quase 122 e 104 vezes a velocidade do som). Após visitarem Júpiter, Saturno, Urano e Netuno, elas foram aceleradas pela ação gravitacional desses planetas e arremessadas para fora do Sistema Solar. Entretanto, nessa velocidade, essas espaçonaves levariam cerca de 43 mil anos para alcançar Alfa-Centauri e 270 milhões de anos para atingir o centro da nossa galáxia, que dista 25 mil anos-luz.
A luz é o limite
Se em um futuro distante pudermos construir espaçonaves mais rápidas, há um limite de velocidade que elas não poderão ultrapassar: a velocidade da luz. Inúmeros experimentos feitos em laboratório e eventos astronômicos observados já comprovaram esse fato. Quanto mais próximo tentamos chegar da velocidade da luz, mais energia é necessário. Se fosse possível alcançá-la, seria preciso uma quantidade infinita de energia. Há cerca de 100 anos o físico alemão Albert Einstein (1879-1955), por meio da sua teoria da relatividade especial, propôs uma explicação para esses fatos. A velocidade da luz é um limite que não pode ser violado. Como conseqüência, nossos conceitos de tempo e de espaço deveriam ser mudados. Desta forma, em um primeiro momento, ficamos com a sensação de que estaremos sempre presos a essa limitação da natureza. Uma barreira que não pode ser vencida.
Entretanto, as próprias idéias de Einstein também nos permitem, de alguma maneira, viajar até essas estrelas distantes em escalas de tempo compatíveis com a vida humana. Quando viajamos em velocidade muito próxima à da luz, o tempo flui de uma maneira muito mais lenta. Esse fenômeno, conhecido como dilatação temporal, verificado em inúmeros experimentos, mostra que, quanto mais perto estamos da velocidade da luz, mais lentamente o tempo passa.
Se viajarmos, por exemplo, a 10% da velocidade da luz, ou 30.000 km/s (650 vezes mais rápido do que a espaçonave Voyager 1), para cada 10 segundos passados aqui na Terra, o relógio da espaçonave avançaria 9,95 segundos, ou seja, ele registraria o tempo mais lentamente. Por outro lado, se a viagem fosse feita com 99,999% da velocidade da luz, 10 segundos aqui na Terra corresponderiam a apenas 0,04 segundos na espaçonave. Desta forma, uma jornada de ida e volta para Betelguese demoraria, para esse viajante, aproximadamente dois anos. Para quem ficou na Terra, porém, quase 860 anos teriam se passado, ou seja, o astronauta não encontraria na volta ninguém que conhecia ainda vivo. Viajar dessa maneira é também uma jornada para o futuro, mas sem volta.
A curvatura do espaço
Existem outras alternativas, muito mais complexas, que permitem viagens interestelares de grande distância sem que os efeitos temporais sejam problemáticos. De alguma maneira é possível driblar o impedimento imposto pelo limite da velocidade da luz. Em 1915, Einstein generalizou os conceitos da relatividade e incluiu nela os efeitos de corpos acelerados e campos gravitacionais, mostrando que a presença de matéria curva o espaço e o tempo dando origem à força gravitacional. Dessa forma, o efeito da gravidade decorre do fato de os corpos se deslocarem por um espaço curvo.
A famosa equação E=mc 2 (energia igual ao produto da massa vezes a velocidade da luz ao quadrado) mostrou que matéria e energia são equivalentes. Em função disso, uma solução tecnológica para esse problema seria construir uma espaçonave capaz de gerar enormes quantidades de energia ao seu redor, o suficiente para curvar o espaço de forma que a distância que ela percorreria seria menor do que se viajasse pelo espaço normal, como na figura ao lado. Contudo, a energia necessária para tanto seria equivalente a toda a energia que o Sol produziu nos últimos 5 bilhões de anos.
Essa curvatura do espaço permitiria aproximar pontos longínquos do espaço, como se dobrássemos uma folha de papel aproximando dois pontos que anteriormente estavam distantes. Como o espaço que separa dois pontos ficou menor, pode-se viajar a uma velocidade bem menor que a da luz e, portanto, os efeitos de dilatação temporal são irrelevantes.
Essa solução, embora tecnologicamente inviável talvez por muitos séculos, é a saída que muitos escritores de ficção científica encontraram para justificar os seus enredos. Talvez o primeiro a utilizá-la foi o autor da série Jornada nas Estrelas ( Star Trek ), na qual a espaçonave Enterprise se vale desse recurso para percorrer distâncias enormes. O astrônomo e divulgador de ciência Carl Sagan, no seu livro Contato , também utilizou um recurso semelhante para viabilizar a viagem da protagonista da história até o centro da galáxia.
Alcançar as estrelas ainda é um sonho de difícil realização. Levaremos muitos séculos para superarmos os limites tecnológicos que tal empreitada requer. No momento, podemos apenas realizar uma jornada nas estrelas por meio do nosso conhecimento e imaginação.
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A coluna Física sem Mistério é publicada na terceira sexta-feira do mês pelo físico Adilson J. A. de Oliveira, professor da UFSCar
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