Ciência e Tecnologia
A Evolução Cósmica
Coluna Física sem mistério
Publicada no Ciência Hoje On-line
19/09/2008
As transformações fazem parte da nossa vida. Da concepção, que começa com uma única célula, à nossa morte, que resulta de uma falha fatal em algum órgão vital, cumprimos um ciclo. Cada indivíduo tem o seu. Durante a vida, experimentamos inúmeras situações, passamos por diferentes alegrias e tristezas. Todos esses eventos influenciam a trajetória que percorremos durante a nossa existência.
Os processos de transformação fazem parte da natureza. Tudo o que existe ao nosso redor também se altera, seja pela ação das forças naturais ou pela intervenção direta do homem. Em particular, devido ao ritmo acelerado dos dias atuais, as mudanças ocorrem de maneira cada vez mais rápida e intensa. Em escala de apenas algumas décadas, percebemos o quanto nosso mundo mudou e quanto ainda vai mudar no futuro próximo.
Hoje sabemos que todos os seres vivos do planeta são fruto de um processo de evolução. Do ponto de vista biológico, a evolução pode ser entendida como o conjunto de mudanças das características transmitidas hereditariamente de uma geração para a outra em um determinado grupo de organismos. Esse processo permitiu o surgimento de toda a diversidade biológica da Terra a partir de uma origem comum, há bilhões de anos.
Há milênios sabemos que o mundo também muda. Entretanto, os povos antigos, ao olhar para o céu, tinham a sensação oposta: ele parecia imutável e inabalável com o passar do tempo. As estrelas estavam sempre brilhando da mesma maneira e estáticas umas em relação às outras. Apenas alguns corpos errantes viajavam entre as estrelas, mas, mesmo assim, seus movimentos eram periódicos. Esses corpos errantes são os planetas, que, como a Terra, descrevem uma trajetória elíptica ao redor do Sol. A combinação dos movimentos da Terra e dos planetas gera as peculiares trajetórias desses astros nos céus.
Embora as estrelas do céu ainda nos pareçam imutáveis, sabemos que elas também evoluem. As estrelas nascem, desenvolvem-se e depois morrem. As estrelas nascem de gigantescas nuvens de gás e poeira denominadas nebulosas, que chegam a atingir anos-luz de extensão. A partir da condensação da matéria no interior das nebulosas é que se formam as estrelas. Quando estas adquirem determinada quantidade de massa, a pressão no núcleo estelar fica tão grande que desencadeia reações de fusão nuclear, que fornecem energia para as estrelas. Vimos alguns detalhes desse processo na coluna de novembro de 2007
Universo em expansão
O universo como um todo também está em evolução. No início do século 20, o astrônomo americano Edwin Hubble (1889-1953) mediu a distância de algumas galáxias e descobriu que elas estavam se afastando umas das outras a enormes velocidades, indicando que o universo estava em expansão.
Como não há um centro privilegiado no universo, as galáxias se afastam de forma similar a manchas na superfície de um balão que está sendo inflado. As galáxias não viajam por um espaço vazio, mas o próprio espaço é que está se expandindo. Como conseqüência, a separação entre as galáxias é que aumenta. Não percebemos isso na escala humana e mesmo para objetos como as estrelas, porque as forças de coesão da matéria são muito mais intensas que esse efeito.
Esse fato estava previsto nas equações da teoria da relatividade geral de Albert Einstein (1879-1955), que utilizamos para descrever os efeitos gravitacionais, principalmente nas escalas cosmológicas. Contudo, quando publicou a teoria, Einstein ignorou esse resultado e fez uma correção, adicionando um termo para compensar a expansão do universo, pois, naquela época, acreditava-se que o universo era estático. Após a descoberta de Hubble, Einstein reconheceu que esse foi o seu maior erro.
Como o universo está em expansão, tudo o que existe deveria estar concentrado em uma única região em um passado remoto. Esse estado inicial, de densidade e temperatura infinitas, definido como singularidade, “explodiu” e deu origem ao universo. Esse evento – que chamamos de Big Bang (em inglês, a "grande explosão") – ocorreu há 14 bilhões de anos. Após esse instante, o universo começou a sua expansão e, como conseqüência, sua temperatura diminuiu.
Durante a expansão, a energia liberada na forma de radiação “esfriou” até transformar-se em radiação de fundo residual, que foi primeiramente observada pelos físicos norte-americanos Arno Penzias (1933-) e Robert Wilson (1936-) em 1965, com uma temperatura equivalente a cerca de 2,7 K (-266ºC). Esse fato ocorreu quando o universo era um “bebê de colo”, com apenas 300 mil anos.
Mas o que causou essa expansão? Como teria se iniciado esse processo? Nesse momento, ainda não temos resposta para essa questão. Existem apenas especulações, mas nenhuma certeza absoluta.
A inflação do universo
Uma teoria possível para explicar esses primeiros instantes do universo após o Big Bang é a chamada “teoria do universo inflacionário” (nada a ver com a inflação da economia que todos conhecemos). Segundo esse modelo, quando o universo tinha menos de um segundo, ele cresceu repentinamente a um fator de 10 70 (um seguido de 70 zeros).
Uma das evidências desse acontecimento seria o fato de o universo ser espacialmente homogêneo e isotrópico. Ele não teria essa característica se, em algum momento, suas diferentes partes não tivessem se comunicado casualmente umas com as outras. A inflação seria um possível mecanismo capaz de permitir esse efeito. Após esse fenômeno, o universo expandiu-se de forma mais lenta. Mas ainda é necessário descobrir o que deu início à inflação e à expansão.
Observações feitas nas últimas décadas mostram que a taxa de expansão do universo tem acelerado, como se houvesse uma força de repulsão gravitacional. Embora pareça estranho, uma força gravitacional repulsiva é compatível com a teoria da relatividade geral. Para tal, é necessário que a densidade de energia do universo seja dominada por uma matéria exótica, que gere uma pressão negativa no espaço. Esse tipo de efeito poderia ser produzido pela chamada “energia escura”, que também não é bem entendida ainda.
Algumas modificações nos modelos existentes devem acontecer nas próximas décadas ou novos resultados experimentais devem confirmar algumas dessas idéias. Em particular, com a entrada em funcionamento do LHC(grande colisor de hádrons, em inglês), os cientistas poderão recriar na escala do laboratório situações semelhantes ao evento do Big Bang e talvez algumas dessas questões sejam esclarecidas e outras novas surgirão.
Nosso cotidiano se transforma rapidamente em meses e anos. A evolução biológica ocorre em tempos da ordem de milhares ou milhões de anos. A evolução cósmica se processa na escala de bilhões de anos. Eterna e imutável, somente a evolução.
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A coluna Física sem Mistério é publicada na terceira sexta-feira do mês pelo físico Adilson J. A. de Oliveira, professor da UFSCar
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