Ciência e Tecnologia
A morte e a vida nos céus
Coluna Física sem mistério
Publicada no Ciência Hoje On-line
16/11/2007
A morte e o nascimento são os eventos principais de nossas vidas. Uma das certezas absolutas é que, após nascermos, um dia morreremos. Desde os mais remotos tempos, cada povo lida com esse dilema à sua maneira. A religiosidade é um dos meios comumente utilizados para explicar a morte. A grande maioria das religiões acredita que a morte não é o fim, mas o início de uma nova etapa na qual a individualidade é mantida. Muitas culturas ocidentais acreditam nessa hipótese. Outros povos acreditam que a essência humana volta para um todo maior, como é o caso de algumas culturas orientais.
Na natureza, observamos diariamente o processo de vida e morte. A criação e a destruição de formas de vida são mecanismos fundamentais para nossa sobrevivência. Dependemos da existência de outros organismos para nos mantermos vivos. Entretanto, algumas entidades parecem não obedecer ao ciclo de vida das plantas e animais.
Na Antigüidade, ao olhar para o céu, o homem tinha a sensação que apenas as estrelas eram eternas. Ano após ano elas estavam lá, imutáveis. Passavam-se várias estações, nasciam e morriam imperadores e reis, mas as estrelas continuavam da mesma forma. Como a maioria acreditava que a eternidade era um atributo divino, sem dúvida o céu deveria ser a morada dos deuses. Por esse motivo é que configurações de estrelas foram identificadas com os mitos e deuses. Olhar para céu era como contemplar o divino.
Atualmente sabemos que nem as estrelas são eternas. De maneira semelhante aos seres vivos, elas têm um ciclo de vida: nascem, atingem a maturidade e, depois, morrem. A diferença fundamental é que seu ciclo de vida tem uma escala de tempo muito superior à humana – ele dura bilhões de anos.
Na constelação de Órion, uma das maiores que podemos observar no céu, próximo ao cinturão, também conhecido com “as Três Marias”, há uma pequena nuvem que pode ser vista em noites sem Lua e em uma região sem poluição visual. Trata-se de uma nebulosa – uma gigantesca nuvem de gás e poeira que é um nascedouro de estrelas. Ela dista aproximadamente 1.270 anos-luz da Terra e tem uma extensão de 24 anos-luz (um ano luz equivale a cerca de 10 trilhões de quilômetros).
Nasce uma estrela
As estrelas nascem a partir da aglomeração de matéria no interior das nebulosas devido à ação da força da gravidade – a mesma que nos mantém presos à superfície da Terra. Uma nebulosa é constituída basicamente por hidrogênio e hélio. À medida que a matéria se aglomera na nebulosa, a densidade cresce em alguns locais e, conseqüentemente, essas regiões atraem mais matéria, começando a formar o que chamamos de proto-estrela.
Como a força da gravidade depende da quantidade de massa, quanto mais massa é acumulada, maior é a intensidade da força gravitacional nessa região da nebulosa. Dessa forma, as partículas são atraídas e se chocam umas com as outras em altas velocidades. Nesse processo, a energia de movimento das partículas se transforma em calor, aumentando a temperatura. Passados milhões de anos, a temperatura atinge alguns milhões de graus e favorece a ocorrência dos processos de fusão nuclear, transformando quatro núcleos do átomo de hidrogênio (que é constituído por apenas um próton) em um núcleo de hélio (que possui dois prótons e dois nêutrons).
Nesse processo, dois prótons se transformam em dois nêutrons, emitindo duas partículas de carga positiva e massa igual ao do elétron (o pósitron). Como a massa final de um núcleo de hélio é menor do que a massa inicial dos quatro prótons, essa diferença se transforma em energia, de acordo com a famosa equação deduzida por Einstein – E=mc 2 .
Com o início da fusão nuclear, nasce a estrela. Dependendo da massa inicial acumulada, ela viverá milhões ou bilhões de anos. Na maior parte da sua vida, a estrela permanece em equilíbrio, devido ao balanço entre a força gravitacional, que tende a fazer com que ela se contraia, e a pressão gerada pela alta temperatura, que tende a fazê-la expandir. É como se fosse um cabo de guerra, na qual duas forças competem uma contra a outra.
O início do fim
Estrelas com massa semelhante ao Sol ficam em equilíbrio por aproximadamente 10 bilhões de anos. Quanto maior a massa da estrela, mais rapidamente é queimado o combustível nuclear. Quando não há mais hidrogênio para manter a fusão nuclear, a temperatura diminui e a estrela se contrai. Esse processo de contração aumenta a pressão e a temperatura, levando agora à fusão de núcleos de hélio, que cria novos elementos, como o carbono, o nitrogênio e o oxigênio.
Ao ocorrer a queima do hélio, a estrela expande e se transforma em uma “gigante vermelha”. Podemos observar no céu estrelas que estão neste estágio de evolução como Betelguese (uma das mais brilhantes da constelação de Órion). Nessa fase, a estrela está atingindo a senilidade. Após algum tempo, a parte mais externa da estrela acaba expulsa pela chamada “pressão de radiação”, mandando para o meio interestelar essa matéria, que formará uma “nebulosa planetária”, que leva esse nome apenas porque lembra um planeta, quando observada ao telescópio.
Nessa nova etapa, a estrela volta a se contrair e se transforma em um objeto muito compacto que chamamos de anã-branca – uma estrela de pouco brilho, muito quente e praticamente composta apenas de carbono. Finalmente, ela esfria e se torna um corpo opaco conhecido como “anã-marrom”, pois não emite mais luz visível.
As estrelas muito maiores que o Sol são as gigantes azuis, como Rigel, da constelação de Órion, que tem 17 vezes a massa do Sol. Essas estrelas costumam ter um destino um pouco diferente. Em vez de permanecerem estáveis por bilhões de anos, seu ciclo de vida está na escala da centena de milhões de anos.
Quando ocorre o processo final de contração, a força gravitacional é tão intensa que leva a um gigantesco colapso. A matéria fica tão comprimida que os elétrons são empurrados para os núcleos atômicos de forma que eles reagem com os prótons e se transformam em nêutrons. Nessa situação, ocorre um dos eventos mais violentos do universo: a estrela explode e libera em poucos meses uma quantidade enorme de energia equivalente à que ela própria levaria alguns milhões de anos para produzir em circunstâncias normais. Nessa situação, uma estrela é capaz de brilhar mais que uma galáxia inteira. Chamamos tal acontecimento de supernova.
No ano de 1054 os chineses registraram a presença de uma “estrela visitante”, que ficou visível durante alguns meses e depois não foi mais observada. Hoje, na posição em que eles registraram a “estrela visitante”, observamos a nebulosa do Caranguejo. No seu interior, existe uma estrela composta apenas de nêutrons – o resto da supernova.
O escuro fim de uma estrela Por outro lado, o resultado desse processo também pode levar à formação de um dos mais misteriosos objetos do universo: o buraco negro. Um buraco negro é uma estrela com massa muito compacta e, como conseqüência, sua gravidade é tão intensa que seria preciso viajar a uma velocidade superior à da luz para escapar dela.
Como nada no universo pode viajar mais rápido que a luz, segundo a teoria da relatividade, nada, em princípio, pode escapar de um buraco negro. Algumas teorias, como a proposta pelo físico inglês Stephen Hawking, postulam que, em situações especiais, algum tipo de radiação poderia sair de um buraco negro. Entretanto, tal radiação nunca foi observada. Por outro lado, existem evidências muito fortes da existência dos buracos negros, principalmente nos núcleos de algumas galáxias.
O interior do buraco negro ainda é um dos maiores mistérios da física, pois as condições peculiares dessa singularidade necessitam de uma teoria que compatibilize a teoria da relatividade geral (o modelo que melhor explica a gravitação) com a mecânica quântica (o que descreve com mais precisão os eventos na escala atômica). Este é um passo que ainda precisa ser dado.
O que ocorre após a morte desse tipo de estrela ainda é um mistério que precisa ser desvendado, da mesma maneira que precisamos compreender o que de fato pode ocorrer após a nossa morte. A evolução estelar nos mostra que nem no céu a vida é eterna.
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A coluna Física sem Mistério é publicada na terceira sexta-feira do mês pelo físico Adilson J. A. de Oliveira, professor da UFSCar
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