Ciência e Tecnologia
A fundamental beleza da natureza
Coluna Física sem mistério
Publicada no Ciência Hoje On-line
22/01/2008
O verão é uma das mais apreciadas estações do ano. A maioria aproveita os meses de dezembro e janeiro para tirar férias. É um tempo em que muitos buscam ficar em forma e melhorar a aparência. Inúmeras pessoas procuram as academias de ginásticas ou fazem exercícios não somente para ter uma vida mais saudável, mas também para ficar mais belos. Afinal de contas, verão combina com beleza.
O padrão de beleza, no entanto, é algo que se modifica com o tempo. Na época do Renascimento, por exemplo, os pintores costumavam retratar nas telas as mulheres gordas e com formas arredondadas – esse era o paradigma de beleza feminina. Atualmente esse padrão é bem diferente: existe uma valorização dos corpos magros e longos. Gisele Bündchen, naquela época, não faria sucesso.
O conceito de beleza é algo complexo e difícil de ser definido, pois depende de fatores como a época, a sociedade, a cultura, a estética etc. Entretanto, por algum motivo, apreciamos as formas simétricas, pois elas nos inspiram uma sensação agradável de proporcionalidade e equilíbrio, refletindo, de certa maneira, a perfeição.
Nos animais, observamos o que chamamos de simetria bilateral: membros, olhos e orelhas estão distribuídos de maneira simétrica em relação a uma linha imaginária que divide o corpo ao meio. Se formos rigorosos, perceberemos que há pequenas diferenças entre o lado esquerdo e direito do corpo. A simetria nos corpos é desejada para a beleza. Entretanto nem sempre ela é alcançada, salvo em exceções produzidas pela natureza ou adaptadas pelos cirurgiões plásticos.
Outra maneira de ilustrarmos o conceito de simetria é imaginarmos um objeto que mantém a mesma forma quando agimos sobre ele. Tomemos o exemplo de uma bola de bilhar. Se a girarmos em relação a qualquer eixo e com qualquer ângulo, veremos que ela apresentará sempre a mesma aparência, ou seja, ela é simétrica em relação a qualquer movimento de rotação. Por outro lado, se, em vez de uma bola, girarmos um cubo, perceberemos que ele terá a mesma aparência apenas se for girado em múltiplos de 90 graus em relação a um eixo que passe por alguma de suas faces. Se ele for girado por um ângulo diferente, notaremos uma modificação na sua aparência.
Física e simetria
O conceito de simetria é de fundamental importância para a física. Toda a sua estrutura conceitual está baseada no princípio que existem certas simetrias nas suas leis. Quando um jogador de tênis bate em uma bola no Rio de Janeiro, ele poderá realizar exatamente o mesmo movimento em uma quadra em Melbourne que obterá o mesmo efeito (é claro que estamos considerando que as quadras, bolas e raquetes são idênticas nesse exemplo). Ele consegue isso porque a força de gravidade é praticamente a mesma em qualquer lugar do globo terrestre – as diferenças são irrelevantes para os jogos de tênis.
As leis de Newton que explicam o movimento da bola de tênis são as mesmas no Rio, em Melbourne ou em qualquer lugar. As condições locais podem afetar fortemente o movimento da bola. Se, em vez de Melbourne, o tenista estivesse na Lua, a força que ele aplicaria na bola deveria sem dúvida ser diferente. O que causa a mudança é que, na Lua, o campo gravitacional é cerca de seis vezes menor do que o da Terra. A diferença é prevista nas próprias leis de movimento, ou seja, as leis que descrevem o movimento continuam as mesmas.
Esse tipo de simetria, chamado de simetria de translação, é válido não somente para as leis de Newton, mas também para as do eletromagnetismo de Maxwell (que descreve a propagação da luz e os campos elétricos e magnéticos), para as da relatividade restrita e geral propostas por Einstein (utilizadas para descrever movimentos com velocidades próximas à da luz e os efeitos dos campos gravitacionais) e para a mecânica quântica (que explica o mundo na escala atômica).
Outro tipo de simetria importante é a simetria de rotação. O fato de um tenista bater na bola na direção norte-sul, leste-oeste ou qualquer outra não modifica as leis que descrevem o movimento. Realizar um experimento em laboratório também não depende da direção na qual montamos os equipamentos, a menos que exista alguma influência local.
Um experimento realizado em um laboratório em movimento uniforme (sem aceleração) deve apresentar os mesmos resultados se o mesmo estiver em repouso em relação a um determinado ponto de referência. Essa simetria de movimento foi definida pela primeira vez por Galileu (1564-1542). Einstein (1879-1955) em 1905, com a teoria da relatividade, mostrou que essa simetria vale para todas as leis da física e também para a luz. Independentemente da velocidade da fonte que a está emitindo, ela sempre se propagará em velocidade constante.
Simetria do movimento
Posteriormente, com a teoria da relatividade geral, Einstein mostrou que essa simetria também é válida para os corpos em movimento acelerado. Diferentemente do movimento uniforme, quando estamos em movimento acelerado, por exemplo, em um carro, sentimos uma força que nos comprime contra o banco. Na descrição da física newtoniana, é necessário que as leis sejam modificadas, ou seja, que se inclua uma força “fictícia” para descrever esse efeito.
Entretanto, Einstein mostrou por meio do princípio da equivalência (veja a coluna “O enigma do movimento”) que a física não se modifica, desde que se inclua um campo gravitacional na descrição do movimento, pois, segundo esse princípio, qualquer movimento acelerado pode ser descrito como se fosse a ação de um campo gravitacional. Assim, a simetria do movimento também vale nessa situação.
Entre muitas outras simetrias importantes que existem nas leis da física, talvez uma das mais importantes seja a relacionada com o tempo. Em qualquer instante do tempo, seja no passado distante, nos instantes iniciais do universo ou no futuro longínquo, daqui a dezenas de bilhões de anos, as leis da física não se modificam, ou seja, são simétricas. Temos essa certeza porque, ao observarmos as galáxias distantes bilhões de anos-luz, estamos olhado para o passado e as vendo como eram há bilhões de anos. Os fenômenos observados nesses objetos são descritos da mesma maneira que fazemos agora, ou seja, com o passar do tempo às leis da física não se modificaram.
Essa assombrosa beleza que as leis da física apresentam é uma das mais importantes constatações da ciência. Embora à primeira vista pareçam óbvias, não haveria nenhum motivo especial para que elas fossem assim. A simetria, que está presente em muitas outras situações físicas, como nas forças nucleares forte e fraca que descrevem o núcleo atômico, entre outras, é sempre invocada para a descrição da natureza. Nesse sentido, as simetrias estão nos alicerces das leis da natureza. Dessa forma, estava correto o poeta que dizia que a beleza é fundamental.
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A coluna Física sem Mistério é publicada na terceira sexta-feira do mês pelo físico Adilson J. A. de Oliveira, professor da UFSCar
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