AS SENSAÇÕES E AS INTERPRETAÇÕES HUMANAS
Ciência e Tecnologia

AS SENSAÇÕES E AS INTERPRETAÇÕES HUMANAS


Coluna Por dentro da Ciência
Publicada no ClickCiência
05/12/2007

A mente humana é uma das mais fantásticas realizações da natureza. A organização biológica desenvolvida ao longo de milhões de anos permitiu o surgimento de uma espécie como a nossa. Talvez, a mais gritante diferença que há entre nós e todos os seres vivos, seja o fato de termos a consciência de existirmos; saber que somos alguma coisa e que aprendemos com as nossas experiências adquiridas através do contato com o mundo exterior ao nosso corpo.

Construímos a nossa percepção do mundo decorrente do contato sensorial. Tudo que percebemos por meio dos nossos sentidos ajuda a construir a nossa compreensão da realidade. Por exemplo, em uma caminhada entre árvores de um bosque em uma manhã ensolarada de primavera recebemos uma infinidade de informações. Ao enxergarmos a beleza do lugar, ouvir o canto dos pássaros, sentir cheiros, gostos e texturas diversos somos estimulados de diversas formas.

As sensações que recebemos são interpretadas pelo cérebro e criam diversas reações, como de paz e tranqüilidade, como na situação descrita acima, ou medo e apreensão se estamos em lugares sujos e escuros. Entretanto, cada indivíduo pode reagir aos mesmos estímulos de maneira completamente diferente. Os estímulos também podem nos remeter a memórias e pensamentos criando uma infinidade de reflexões. As informações podem ser as mesmas para vários indivíduos, mas a resposta é quase sempre única para cada um.

Os nossos sentidos funcionam em determinadas regiões do nosso corpo a partir de estímulos que recebemos do meio ambiente. Eles são baseados em “sensores” muito sofisticados que foram desenvolvidos ao longo de milhões do mundo. Cada um deles foi se transformando devido aos estímulos do meio ambiente, favorecendo as configurações mais adaptadas os desafios impostos pelo meio. Estamos hoje aqui graças ao sucesso do nosso projeto. Ele foi vencedor na concorrência imposta pela natureza.

Temos extrema confiança no que os nossos sentidos nos transmitem. Em particular, o sentido da visão é um dos quais mais confiamos. Quando vemos alguma coisa ficamos mais seguros sobre o que ela se refere. A visão funciona de uma maneira extremamente sofisticada. Os nossos olhos captam luz, que é uma emanação eletromagnética de uma pequena parte de um amplo espectro. Os nossos olhos captam radiações que tem o seu comprimento de onda entre 400 a 700 nanômetros (um nanômetro é um bilionésimo de um metro). Esses limites equivalem respectivamente a cor vermelha (700 nm) e violeta (400 nm), passando pelo amarelo, verde e azul. Entretanto, somos expostos a outras radiações, que vão desde ondas de rádio, que possuem comprimento de onda de dezenas de metros, até radiações de mais alta energia, ultravioleta e raios-x. Temos o conhecimento dessas outras radiações pelo uso de outros “olhos” desenvolvidos artificialmente. Por exemplo, uma forma de detectar raios-x bastante comum é a utilização de chapas fotográficas.

Os nossos olhos se ajustaram para captar essa faixa específica do espectro eletromagnético porque grande parte da luz do Sol que chega até nós está dentro dessa faixa de comprimento de onda. Se emissão de luz do Sol fosse predominantemente em outros comprimentos de ondas, a nossa visão do mundo poderia ser bem diferente.

Os nossos sensores visuais (olhos) utilizam o cristalino, que funciona como uma lente que fica dentro de nossos olhos. Ele está situado atrás da pupila, que é a porta de entrada e que admite e regula o fluxo de luz. Quando somos expostos a luzes muito intensas a nossa pupila se contrai. Quando estamos em um lugar escuro ela se dilata para coletar melhor a luz. É por esse motivo que quando entramos em uma sala escura leva alguns segundos para enxergarmos melhor. A luz concentrada pelo cristalino atinge a retina, que é composta de células nervosas que leva a imagem através do nervo óptico para que o cérebro as interprete. Em particular, como qualquer lente, o cristalino projeta a imagem invertida. O nosso cérebro “sabe” que é preciso levar isso em consideração e interpreta esses sinais de maneira a “inverter” a imagem. Por isso, embora seja o olho que capta a luz, quem enxerga e vê as imagens é o cérebro. É por esse motivo que quando sofremos algum abalo na nossa cabeça ou temos, por exemplo, uma crise de enxaqueca, as imagens que vemos aparecem distorcidas, embora os olhos as estejam captando perfeitamente. Nesse caso o problema não é no “sensor”, mas sim no “interpretador de dados.”

Entretanto, algumas imagens que os olhos captam podem ser interpretadas de maneira equivocada pelo nosso cérebro. Um exemplo disso é que observamos a Lua Cheia aparecendo no horizonte ao final da tarde. Costumamos enxergar uma enorme Lua, que à medida que vai subindo no céu, parece ficar menor. Entretanto, se fotografarmos a Lua no horizonte e no zênite (quando a Lua está exatamente sobre a nossa cabeça) com a mesma capacidade de amplificação verificaremos que a imagem terá o mesmo tamanho. Isso nos mostra que não é um problema físico da luz espalhando pela nossa atmosfera (como encontramos corriqueiramente como a explicação desse fenômeno), mas sim a forma que o nosso cérebro interpreta essa imagem. De fato, ainda não há uma explicação completa para esse fato. Mais detalhes sobre esse efeito pode ser visto em A Ilusão do tamanho da Lua no horizonte.

O nosso olhar para o mundo é influenciado pelas nossas experiências e a nossa experiência é afetada pelas sensações que os nossos sentidos captam. Esse retorno contínuo é de fundamental importância para o nosso desenvolvimento. Tanto os sensores (sentidos) como as sensações (interpretações) são responsáveis por isso. O resultado disso é sempre um individuo único com as suas visões particulares do mundo.

Adilson J. A. de Oliveira - professor associado I do Departamento de Física (DF) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), membro do Grupo de Supercondutividade e Magnetismo (GSM) do DF e do Núcleo de Excelência em Materiais Nanoestruturados Eletroquimicamente (Nanofael) e editor da revista digital Click Ciência.





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