Ciência e Tecnologia
Uma controvérsia luminosa
Coluna Física sem mistério
Publicada no Ciência Hoje On-line
20/03/2009
A compreensão que temos do mundo a nossa volta é predominantemente dominada pelo contato sensorial. Tudo o que percebemos por meio dos nossos sentidos influencia o nosso entendimento da realidade. Um simples passeio por um local agradável, como uma praia ensolarada ou um bosque iluminado, faz com que recebamos uma infinidade de sensações, que levam o nosso cérebro a fazer as mais diversas interpretações.
Para alguns, as experiências descritas acima podem estimular paz e tranquilidade. Para outros, podem trazer lembranças há muito tempo guardadas, como aquele passeio feito na infância, que, mesmo distante atualmente, se torna tão presente por alguns segundos.
Do ponto de vista filosófico, cada indivíduo tem a sua representação do mundo exterior. Dependendo do seu estado de espírito, uma pessoa pode encarar uma determinada situação com otimismo, enquanto outra pode ser mais pessimista. O que para alguns é problema pode ser solução para outros. A interpretação do mundo em que vivemos pode ser então uma experiência muito particular.
Dentre os cinco sentidos, o que mais nos inspira confiança é a visão. Quando vemos alguma coisa, conseguimos descrevê-la sob diversos aspectos, como forma, cor, tamanho, entre outros. Quem é privado da visão faz uso de outros sentidos e constrói outra interpretação do objeto.
Da mesma forma, determinados fenômenos naturais podem se apresentar de maneira diferente dependendo de como tentamos observá-los. A luz, tão presente em nossas vidas, é uma das manifestações da natureza que podem levar a distintas interpretações.
A luz e a visão
Os antigos filósofos gregos não consideravam luz e visão como coisas separadas. Eles acreditavam que, de dentro dos olhos, projetavam-se raios luminosos que tateavam os objetos e retornavam, trazendo consigo informações que, ao serem interpretadas pelo cérebro, acabavam gerando a sensação visual, de maneira similar ao tato.
É desse modo que, em suas histórias, o Super-homem consegue enxergar através dos objetos: ele projeta “raios” dos olhos para ver objetos ocultos por paredes. Contudo, sabemos que nem mesmo ele conseguiria fazer isso.
O que de fato acontece é que, para enxergarmos um objeto, ele deve estar iluminado. Enxergamos a luz refletida ou emitida pelos objetos. Apenas alguns animais e as câmeras com sensores especiais conseguem observar objetos na ausência de luz. Isso é possível porque eles captam outra faixa do espectro eletromagnético (o infravermelho), que todos os objetos emitem por estarem aquecidos.
A natureza da luz
No século 17, o físico inglês Isaac Newton (1642-1727) elaborou uma teoria para interpretar a luz. Para ele, a luz era composta por pequenas partículas. Com esse conceito, ele pôde explicar, por exemplo, por que a luz branca se divide em várias cores quando passa por um prisma ou quando é espalhada por gotículas de água em suspensão, formando o arco-íris no céu.
Aproximadamente na mesma época, o astrônomo holandês Christian Huygens (1629-1695) propôs que a luz era um fenômeno ondulatório, ou seja, a luz se comportaria como se fosse uma onda se propagando sobre a superfície de um lago. Esse tipo de interpretação para a luz permitiu explicar os fenômenos conhecidos como difração e interferência. Na difração, a luz, ao passar por uma fenda estreita ou contornar um objeto, espalha-se e produz faixas iluminadas e escuras. Já a interferência é a superposição de duas ou mais ondas num mesmo ponto.
Um exemplo desses fenômenos acontece se incidirmos a luz de um laser pointer (muito usado para apontar) sobre um CD (não deixando que ela atinja os olhos, pois pode danificá-los). Nesse caso, a luz projetada apresentará um padrão de claros e escuros. Isso ocorre porque a luz se comporta como uma onda ao se refletir sobre a superfície do CD. Como o CD tem vários sulcos usados para a gravação, as ondas ora se somam, gerando faixas brilhantes (interferência construtiva), ora se anulam, formando faixas escuras (interferência destrutiva).
No final do século 19, o físico escocês James Clerk Maxwell (1831-1879) mostrou que a luz era uma manifestação de campos elétricos e magnéticos que se propagam no espaço na forma de ondas, denominadas ondas eletromagnéticas.
Curiosamente, quando o físico alemão Heinrich Rudolph Hertz (1857-1894) estudava a natureza das ondas eletromagnéticas previstas por Maxwell, deparou-se com outro fenômeno que, alguns anos depois, iria revolucionar novamente a compreensão da natureza da luz.
Tratava-se do efeito fotoelétrico, que aparece quando incidimos luz sobre a superfície de um metal. Hertz observou que uma corrente elétrica surgia somente quando o metal era iluminado com a luz em uma determinada frequência (cor). Se fosse utilizada outra cor, o fenômeno não ocorria, independentemente da intensidade de luz usada.
Em 1905, foi apresentada uma explicação revolucionária para esse intrigante fenômeno. A luz se comporta como pequenos corpúsculos de energia (posteriormente batizados de fótons), que, ao se chocarem com os elétrons do metal, arrancam-nos dos átomos, permitindo o surgimento da corrente elétrica. Essa explicação foi proposta pelo físico alemão Albert Einstein (1879-1955) e lhe valeu o Prêmio Nobel de Física de 1921. A confirmação da teoria de Einstein foi feita pelo físico norte-americano Arthur Holly Compton (1892-1962) em 1911.
Mas, afinal de contas, qual é a verdadeira natureza da luz?
Dualidade essencial
Experimentos mais cuidadosos mostraram que a luz tem tanto o comportamento ondulatório como o corpuscular. Um único fóton pode apresentar esses dois comportamentos, dependendo da situação. Um fóton comporta-se como partícula quando está sendo emitido por um átomo ou quando é absorvido (ou detectado) pelos nossos olhos ou qualquer outro dispositivo. Por outro lado, comporta-se como uma onda quando está se propagando da fonte para o local onde será detectado.
Esse comportamento bizarro à primeira vista não é exclusividade da luz. Ele também é observado em outros objetos, como as partículas que compõem o átomo. Os modernos microscópios eletrônicos utilizam justamente os elétrons para “iluminar” objetos muito pequenos e permitir que sejam observados diretamente. Na escala atômica, tudo se comporta segundo essa dualidade.
A compreensão desse aspecto da natureza foi possível graças à física quântica, que introduziu novos conceitos para interpretarmos a realidade. Dependendo da maneira como observamos um objeto, verificamos determinada característica. De fato, a construção da realidade depende fundamentalmente do ponto de vista, principalmente quando estamos no mundo quântico.
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A coluna Física sem Mistério é publicada na terceira sexta-feira do mês pelo físico Adilson J. A. de Oliveira, professor da UFSCar
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