Ciência e Tecnologia
Influências Invisíveis
Coluna Física sem mistério
Publicada no Ciência Hoje On-line
19/11/2008
Na rotina diária, nem sempre percebemos que tudo que existe é de certa maneira controlado por forças e interações invisíveis aos olhos. Nossa própria existência, do nascimento até a morte, é influenciada por essas forças. Elas controlam as menores partículas subatômicas e as grandes galáxias a bilhões de anos-luz de distância.
As afirmações acima podem levar alguns a imaginar que estou me referindo a forças ocultas ou sobrenaturais exercidas por deuses, espíritos ou entidades fantasmagóricas. Outros podem ainda achar que é “A Força” dos cavaleiros Jedi dos filmes da franquia Star Wars, de George Lucas (nesses filmes há uma força misteriosa que os cavaleiros Jedi controlam e que lhes concede poderes especiais). Mas não há nada de místico em afirmar que somos reféns de forças que atuam em todo universo.
Entre as diversas interações fundamentais, a gravidade é aquela à qual mais estamos acostumados. Ela atua sobre tudo que há no universo, com alcance ilimitado. Sentimos os seus efeitos a todo momento. Ao arremessamos qualquer objeto, ela o “puxa” de volta para a superfície da Terra.
Da mesma maneira, ela impede que sejamos arremessados para o espaço devido ao movimento de rotação e mantém a Terra e os demais planetas e corpos do Sistema Solar girando ao redor do Sol. Com seu alcance ilimitado, ela molda o universo em grande escala, controlando a estrutura e movimentos de estrelas e galáxias
A primeira pessoa a propor a existência da gravidade foi o inglês Isaac Newton (1643-1727), em 1687. Ele demonstrou que sua intensidade é proporcional ao produto das massas e inversamente proporcional ao quadrado da distância que separa dois corpos. Essa aproximação vale para objetos com dimensões desprezíveis comparadas com a separação entre eles, ou seja, pontos materiais. No caso de objetos com simetria esférica (como a Terra e o Sol), essa aproximação também é válida.
Dessa forma, quando deixamos cair um objeto de aproximadamente 100 gramas, a Terra exerce sobre ele (e vice-versa) uma força de aproximadamente 1 newton (unidade de força). Como a massa da Terra é de na ordem de 5x10 27 gramas (5 seguido de 27 zeros), observamos o objeto cair em direção à superfície da Terra. Mas ela também se move na direção do objeto, embora esse movimento seja imperceptível.
A teoria newtoniana para a gravitação teve grande sucesso (e ainda tem), porque é capaz de descrever com precisão tanto o movimento de queda de corpos quanto os movimentos planetários. Entretanto, Newton não conseguiu explicar o porquê do funcionamento dessa força.
Em meados da segunda década do século passado, o físico de origem alemã Albert Einstein (1879-1955) modificou as idéias de Newton e encontrou uma explicação para o comportamento observado para a gravidade. Ele mostrou que a massa dos corpos provoca uma curvatura no espaço.
Uma forma para compreender isso é imaginar que o espaço fosse como uma lona esticada. Quando colocamos um objeto sobre a lona, ele afunda, encurvando-a. Um objeto que estiver próximo a essa curvatura “sentirá” uma força devido a essa deformação. Essa analogia, embora limitada, mostra que a gravidade decorre do efeito da massa sobre a geometria do espaço.
A teoria da relatividade geral explicou situações e resultados que não estavam previstos pela gravitação newtoniana. Em particular, ela mostrou porque observamos as galáxias se afastando uma da outras, ou seja, a expansão do universo.
As outras forças
Outra interação fundamental da natureza que determina a estrutura do universo é a força eletromagnética. Estamos acostumados a ver seus efeitos no funcionamento de geradores de energia, motores elétricos e todos os equipamentos eletro-eletrônicos.
A manifestação dessa força, em uma primeira aproximação, decorre da ação de campos elétricos e magnéticos. Os fenômenos elétricos e magnéticos são conhecidos desde a Antigüidade, mas somente nos meados do século 19 é que se fez uma teoria unificada para descrever essas interações, consolidada pelo físico escocês James Clerk Maxwell (1831-1879).
Um dos principais efeitos dessa força é possibilitar a existência dos átomos. Os elétrons, diminutas partículas com carga elétrica negativa, circulam o núcleo atômico atraídos pelos prótons (com carga elétrica positiva) existentes no núcleo atômico. Os elétrons existentes nos átomos interagem com outros e, por meio dessa interação, fazem com que ocorram as ligações químicas, formando moléculas que podem se tornar estruturas complexas, como por exemplo, cadeias de DNA e proteínas.
No coração do átomo, os prótons ali existentes tendem se repelir (cargas de mesmo sinal se repelem). Para manter a estabilidade do núcleo, há outra força, cerca de 200 vezes mais intensa que a eletromagnética, chamada de força nuclear forte. Os nêutrons que também fazem parte do núcleo interagem com os prótons por meio dessa força.
Quando o núcleo atômico é quebrado, parte da energia acumulada pela ação dessa força é liberada, provocando o processo de fissão nuclear, presente nos reatores nucleares ou na bombas atômicas. Essa força também atua no interior das estrelas, como o Sol. Esse processo, chamado de fusão nuclear, faz com que quatro prótons se convertam em um núcleo de hélio, liberando grande quantidade de energia.
Finalmente, a quarta força fundamental é denominada força nuclear fraca. Ela está associada à radioatividade, em particular ao processo chamado de “decaimento beta” que ocorre quando um nêutron se transforma em um próton, criando ao mesmo tempo um elétron e outra partícula sem carga ou massa, chamada de antineutrino. Dessa forma, ocorre o aumento de um próton no núcleo e transforma o átomo em outro elemento químico. O físico brasileiro José Leite Lopes (1918-2006), em 1958, previu a existência da partícula que seria mediadora dessa interação.
O físico paquistanês Abdus Salam (1926-1996) e os americanos Sheldow L. Glashow (1932-) e Steven Weinberg (1933-) previram que a força nuclear fraca e a força eletromagnética seriam a manifestação de uma mesma interação fundamental, denominada de eletrofraca. A comprovação desse fato foi feita em 1983 pelo italiano Carlo Rubbia (1934-), que recebeu o Nobel de Física por essa descoberta.
Em busca de uma teoria final
A gravidade é a força mais importante para os processos em grande escala, pois determina o movimento das galáxias, estrelas e planetas. A força eletromagnética permite a existência de átomos e moléculas, e as forças nucleares fortes e fracas, a estrutura do núcleo atômico.
Três dessas forças (eletromagnética, nuclear forte e fraca) são explicadas no âmbito da mecânica quântica, enquanto a gravidade é explicada pela teoria da relatividade geral. Até o momento, não houve sucesso em encontrar uma teoria final que explique tudo.
Uma das importantes propostas para tentar unificar essas interações é a “teoria de supercordas”, que tem como base a idéia que os entes fundamentais do universo seriam minúsculas “cordas” com tamanho da ordem de 10 -31 metros (1 dividido por 10 seguido por 31 zeros). As vibrações dessas cordas, da mesma forma que as vibrações das cordas de um violino emitem diferentes sons, seriam responsáveis pelas forças fundamentais do universo.
Entretanto, até o presente momento nenhuma experiência mostrou a existência de tais entes. Por enquanto, a teoria de cordas é apenas um elegante conjunto de conjecturas matemáticas e postulados, rigorosamente coerentes, mas ainda sem observação experimental direta.
A busca por uma teoria que demonstre que todas essas forças são diferentes manifestações de uma única interação pode levar alguns anos ou talvez décadas. Os cientistas acreditam que, quando isso ocorrer, teremos devassado o invisível e descoberto os mistérios fundamentais da natureza.
Talvez ainda nesse século possamos ver isso, ou quem sabe encontremos outras forças que sequer imaginamos. Talvez, nesse caso, valham as profundas palavras do dramaturgo inglês William Shakespeare (1564-1616): “Há mais coisas no céu e na terra, Horácio, do que sonha tua vã filosofia”.
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A coluna Física sem Mistério é publicada na terceira sexta-feira do mês pelo físico Adilson J. A. de Oliveira, professor da UFSCar
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