Ciência e Tecnologia
Um olhar para além dos sentidos
Coluna Física sem mistério
Ciência Hoje On-line
Publicada em 21 de maio de 2010
Em dias ensolara
dos é muito gostoso caminhar pelo campus da universidade onde trabalho (Universidade Federal de São Carlos, UFSCar)
para sentir o calor do Sol, observar árvores verdinhas, sentir o perf
ume das flores e ouvir os pássaros que cantam nas ruas do campus (que levam o nome das aves que lá vivem).
Essas agradáveis sensações, percebidas pelos nossos senti
dos, modificam nossos sentimentos e provocam diversas reações.
A percepção que temos do mundo à nossa volta é decorrente do contato sensorial. Tudo que é percebido pelos nossos senti
dos faz com que construamos
uma percepção da realidade. Mas os nossos senti
dos, embora muito desenvolvi
dos, percebem apenas
uma parte do mundo à nossa volta.
Por exemplo, os nossos olhos detectam
uma pequena parte do espectro eletromagnético. Eles são sensíveis a radiações que tenham
um comprimento de onda entre 700 a 400 nm (
um nanômetro equivale a
um bilionésimo de
um metro). Esses limites equivalem respectivamente à cor vermelha (700 nm) e violeta (400 nm), passando pelo amarelo, verde e azul.
Entretanto, somos expostos a outras radiações, que vão desde ondas de rádio – que possuem comprimento de onda de dezenas de metros – até radiações de mais alta energia, ultravioleta e raios-X, que têm comprimento de onda de centésimos de nanômetros.
Temos o conhecimento dessas outras radiações pelo uso de outros “olhos”, desenvolvi
dos artificialmente. Assim, podemos detectar as ondas de rádio utilizando antenas, e os raios-X com sensores feitos de cristais de silício.
As sensações que temos são interpretadas pelo cérebro e criam diversas reações, como de paz e tranquilidade, na situação descrita acima; ou de medo e apreensão, se estivermos em lugares sujos e escuros. Entretanto, cada pessoa reage aos mesmos estímulos de maneira completamente diferente.
Os estímulos também podem nos remeter a memórias e pensamentos, criando
uma infinidade de reflexões. As informações podem ser as mesmas
para vários indivíduos, mas a resposta é quase sempre única
para cada
um.
Moldados pela natureza
Nossos senti
dos funcionam em determinadas regiões do nosso corpo a partir de estímulos que recebemos do meio ambiente. Eles são basea
dos em “sensores” muito sofistica
dos que foram desenvolvi
dos ao longo de milhões de anos, fruto da evolução.
Cada
um deles foi se transformando devido aos estímulos do meio ambiente, favorecendo as configurações mais adaptadas aos desafios impostos pelo meio. Estamos aqui hoje graças ao sucesso do nosso projeto. Ele foi vencedor na concorrência imposta pela natureza.
Cost
uma-se ter muita confiança no que os nossos senti
dos nos transmitem. Em particular, a visão é
um dos que consideramos mais confiáveis. Quando vemos alg
uma coisa, ficamos mais seguros sobre aquilo a que se refere.
A visão funciona de maneira extremamente sofisticada. Nossos olhos se ajustaram
para captar
uma faixa de 400 a 700 nm, porque grande parte da luz do Sol que chega a nós está dentro desta faixa de comprimento de onda.
Se emissão de luz do Sol fosse predominantemente em outros comprimentos de ondas, a nossa visão do mundo poderia ser bem diferente.
Nossos sensores visuais utilizam o cristalino, que funciona como
uma lente que fica dentro
dos olhos. Ele está situado atrás da pupila, que é a porta de entrada que admite e regula o fluxo de luz. Quando somos expostos a luzes muito intensas, a nossa pupila se contrai. Já se estamos em
um lugar escuro, ela se dilata
para coletar melhor a luz.
Assim, quando entramos em
uma sala escura, precisamos de alguns segun
dos para enxergarmos melhor. A luz concentrada pelo cristalino atinge a retina, que é composta de células nervosas que levam a imagem através do nervo óptico
para que o cérebro as interprete.
Em particular, como qualquer lente, o cristalino projeta a imagem invertida. O nosso cérebro 'sabe' que é preciso levar isso em consideração e interpreta esses sinais de maneira a “inverter” a imagem.
Por isso, embora seja o olho que capta a luz, quem enxerga e vê as imagens é o cérebro. É por esse motivo que, quando sofremos alg
um abalo na cabeça ou temos, por exemplo,
uma crise de enxaqueca, as imagens que vemos aparecem distorcidas, embora os olhos as estejam captando perfeitamente. Nesse caso, o problema não está no 'sensor', mas sim no 'interpretador de da
dos'.
Estímulos para todos os sentidos
Os outros senti
dos, audição, olfato, gustação e tato, são estimula
dos por outros meios, como mecânicos (no caso da audição e tato), térmicos (tato) e químicos (olfato e gustação). A orelha capta os sons e barulhos e os envia ao córtex cerebral. Devido às diferenças na frequência de cada onda sonora, ouvimos diferentes sons. Ao entrar pelo canal auditivo, as ondas sonoras fazem com que ocorram vibrações nos tímpanos.
Já o tato não tem
um órgão específico, pois todas as regiões do organismo possuem mecanorreceptores responsáveis pela percepção do toque, bem como termoceptores
para perceber o frio e o calor e terminações nervosas livres
para perceber a dor, mudando apenas de intensidade.
No caso do aparelho gustativo e olfativo, temos células específicas na língua (gustação) e nas narinas (olfato) – sendo que o olfato é o único sentido diretamente ligado às emoções e memórias. Os outros senti
dos também nos remetem a memórias, mas de forma indireta.
De
uma maneira semelhante, tentando imitar a natureza, o homem desenvolveu meios
para ampliar os seus senti
dos. Por exemplo, os telescópios funcionam como gigantescos olhos.
Um telescópio que tem quatro metros de diâmetro (como o caso do telescópio espacial Hubble) capta
um milhão de vezes mais luz do que o olho h
umano.
Para ampliar a visão e observar o muito pequeno, é necessário utilizar outros olhos capazes de captar outras faixas de radiação. É o caso
dos microscópios eletrônicos, que a partir de
um feixe de elétrons permitem interagir com a matéria na escala atômica e observar até átomos. Neste caso, os elétrons funcionam como ondas – com comprimento de onda de alguns décimos de nanômetros.
Os senti
dos também podem ser substituí
dos ou magnifica
dos utilizando-se outros tipos de equipamentos e materiais.
Um exemplo é a “língua eletrônica” desenvolvida por pesquisadores do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP e da Embrapa, que utiliza polímeros condutores como sensores e possui mil vezes mais sensibilidade do que a língua h
umana.
Ela é utilizada
para testar a qualidade de café, vinhos, água, leite etc. A interação desses líqui
dos com os polímeros altera a sua condutividade, e esta é utilizada
para identificar o tipo de produto.
O nosso
olhar para o mundo é influenciado, portanto, pelas nossas experiências, e as nossas experiências são afetadas pelas sensações que nossos senti
dos captam. Esse retorno contínuo é de fundamental importância
para o nosso desenvolvimento. Tanto os sensores (senti
dos) como as sensações (interpretações) são responsáveis por isso. O resultado disso é sempre
um individuo único com as suas visões particulares do mundo.
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A coluna Física sem mistério é publicada na terceira sexta-feira do mês
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