A invenção do tempo
Ciência e Tecnologia

A invenção do tempo



Coluna Física sem mistério
Ciência Hoje on-line
Publicada em 20 de janeiro de 2012

Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo  genial,
Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão 
Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez,
com outro número e outra vontade de acreditar
que daqui para diante vai ser diferente

(Atribuído à Carlos Drummond de Andrade)


Novamente estamos começando um ano novo. O final e o início do ano são sempre comemorados com muitas festividades. Temos a sensação de que um tempo terminou e outro vai começar. Como é verão no Brasil, nessa época muitas pessoas saem de férias, viajam para outros lugares e buscam descansar para novamente começar um novo ciclo.
Como uma simples mudança na ‘folhinha’ pode influenciar tanto as nossas vidas? A utilização de calendários para marcar o tempo em dias, semanas, meses e anos foi, sem dúvida, uma invenção sensacional. Como diz o poeta Drummond, quando se inicia um novo ano, sempre esperamos um novo começo, com esperanças renovadas para as nossas vidas.

A necessidade da utilização de calendários começou na época em que a humanidade iniciou o desenvolvimento da agricultura. Como a maioria das culturas agrícolas segue os ciclos das estações do ano, saber quando dar início ao plantio e à colheita é de fundamental importância.
Para marcar a passagem do tempo, foram escolhidos como referência os movimentos das estrelas e planetas no céu. A periodicidade de eventos astronômicos era ideal para isso. Por exemplo, os sacerdotes egípcios sabiam que haveria uma cheia no rio Nilo, que ajudaria na irrigação das suas margens, quando a estrela Seped – conhecida hoje como Sírio, a mais brilhante do céu – surgia pouco antes do amanhecer ao leste.


Lunares e solares

O desenvolvimento dos calendários ocorreu, principalmente, a partir da observação dos movimentos da Lua e do Sol. Os calendários lunares são baseados nas fases da Lua, que tem um ciclo de aproximadamente 29,5 dias, ou seja, o tempo necessário para que uma das quatro fases se repita.
O calendário islâmico funciona dessa maneira até os dias de hoje. Ele tem 12 meses que alternam 29 e 30 dias, totalizando um ano de 354 dias. Nesse calendário, as estações do ano vão se alterando durante os meses, pois existe uma defasagem de 11 dias em relação ao período de translação da Terra.
Os calendários solares são mais ajustados para marcar as datas das estações do ano. O período de um ano solar é definido pelo tempo necessário para que o Sol retorne para a mesma posição no céu em relação às constelações, o que equivale a 365 dias, 5 horas, 48 minutos e 47 segundos (365,2422 dias). Como esse tempo não é um múltiplo inteiro de dias, é necessário, a cada quatro anos, acrescentar um dia ao calendário. Esse ano com um dia a mais chamamos de bissexto, como é o caso de 2012. 

O primeiro calendário solar amplamente aplicado foi o calendário juliano, implantado pelo imperador Júlio César em 46 a.C. Nesse calendário, foram introduzidos 12 meses que alterariam entre 30 e 31 dias, com exceção de fevereiro, que teria 29. Nessa proposta, a cada três anos deveria se introduzir um dia a mais no mês de fevereiro. 
   

Ajustes (e vaidades)


No ano 8 d.C., o imperador Augustus promoveu uma correção na qual o dia extra deveria ser introduzido a cada quatro anos e tirou um dos dias de fevereiro, transferindo-o para o mês de agosto – batizado em sua homenagem pelos senadores romanos –, pois julho – uma homenagem a Júlio César – tinha também 31 dias. Esse calendário funcionou muito bem, pois aproximava-se do período do ano solar, mas não com absoluta precisão. Nele, cada ano tem em média 365,25 dias, levando a uma pequena diferença de 0,008 dias por ano.
Contudo, com o passar dos séculos, essa diferença começou a ficar significativa. No ano de 1582, a diferença chegava a aproximadamente 10 dias. Em 24 de fevereiro daquele ano, o papa Gregório XIII promulgou um novo calendário, que fez algumas correções importantes no calendário juliano. Entre elas, a supressão de 10 dias entre os dias 5 e 14 de outubro daquele ano e a indicação para que o início do ano ocorresse no dia 1º de janeiro – antes disso, o ano começava em março. 


Mas a mudança mais importante foi que, a partir de então, os anos seculares que não fossem múltiplos inteiros de 400 não deveriam ser bissextos. Assim, o ano 2000 foi bissexto, mas 1900, não e nem 2100 será. Essa correção permite que não ocorra a defasagem que apresentava o calendário juliano.
O calendário gregoriano, como ficou conhecido, somente precisará realizar uma correção a cada 3.300 anos, ou seja, retirar um dia. Atualmente, esse calendário é utilizado em praticamente todo o mundo, mas demorou para ser aplicado na época, principalmente nos países protestantes e anglicanos, que não reconheciam a autoridade papal.
Os calendários nos permitem marcar as datas dos acontecimentos importantes, não apenas os eventos históricos, mas também os particulares. Cada um de nós tem pelo menos uma data especial para comemorar a cada ano.


Calendário cósmico


Assim como os calendários humanos, construídos com base em elementos culturais, seria possível imaginarmos um calendário que marcasse todos os eventos importantes do universo?
O astrônomo estadunidense Carl Sagan (1934-1996) apresentou no seu livro Dragões do Éden, um ‘calendário cósmico’ no qual o universo teria iniciado com o Big Bang no primeiro segundo do dia 1º de janeiro e os dias atuais representariam o último segundo do dia 31 de dezembro. 
Nesse calendário, 24 dias representariam um bilhão de anos e um segundo, 500 anos. Neste link pode-se observar algumas datas significativas do calendário cósmico.
De fato, ainda não se sabe ao certo se o tempo começou com o Big Bang. E se o universo que conhecemos hoje fizer parte de um multiverso maior, no qual o nosso é apenas uma ‘bolinha’? Assim, haveria um tempo antes do Big Bang. Contudo, ainda não temos uma resposta definitiva.
A marcação dos eventos nos ajuda a contar as nossas histórias. Dessa maneira, os calendários, sejam quais forem, continuarão a ser fundamentais para fatiarmos o tempo e nos encontrarmos em cada pedaço dele.


Adilson de Oliveira
Departamento de Física
Universidade Federal de São Carlos



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